Deixe-me beijar, você.

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Alguns dias antes do Natal, Michelle Alvarez estava na casa dos pais, na região norte de Toronto, checando seus e-mails. Ela vinha ignorando sua caixa de entrada havia uma semana. Acabara de romper um relacionamento que cultivara em paralelo a sua obsessão pela professora Bishop, o que significava que ela não passaria o feriado esquiando com ele em Whistler, na Colúmbia Britânica.

O amante em questão era um banqueiro e havia rompido com ela por meio de um torpedo. Isso era de um mau gosto indiscutível, mas pior ainda seria o e-mail que certamente estaria à sua espera, como uma bomba-relógio à espreita. Depois de se preparar com duas taças de champanhe Bollinger vintage, que ela havia comprado para o idiota que deveria tê-la levado para esquiar, Michelle acessou sua conta.

E lá estava a bomba. Porém, não era a que ela esperava. Dizer que ela ficou surpresa com o conteúdo da mensagem do professor Ferdinand Ripley seria pouco. Na verdade, Michelle sentiu como se o chão tivesse se aberto sob seus pés. A única mulher canadense pela qual ela vira a professora Bishop demonstrar afeto, ainda que contido, tinha sido a professora Teddy Altman.

Está certo que tinha visto Bishop com várias mulheres no Lobby, mas nunca a mesma duas vezes. Ela era gentil com outras professoras e funcionárias da universidade, mas de um jeito profissional, sempre as cumprimentando com um aperto de mão firme.

A professora Altman, por outro lado, foi recompensada com dois beijinhos quando ela a encontrou depois de sua última palestra pública. Michelle não queria retomar seu relacionamento com o professor Ripley. Ele deixava muito a desejar no quesito físico e ela não tinha a menor intenção de voltar a ter encontros íntimos que a deixassem frustrada e insatisfeita. Afinal de contas, tinha seus critérios e não valia a pena ir para a cama com nenhum homem menos avantajado do que seu brinquedinho particular. No entanto, como queria mais informações sobre a noiva da professora Bishop, fingiu estar interessada em se encontrar na primavera com o professor Ripley e, com sutileza, perguntou o nome dela. Então desceu e terminou o seu champanhe.

Na véspera de Natal, Carina estava sentada no balcão do restaurante Kinfolks, em São Francisco, almoçando com seu pai. Maya estava fazendo compras de última hora com Lane, e Melissa e Jack tinham ido até o mercado buscar o peru. Mason continuava na Filadélfia com sua namorada. Vincenzo tinha entregado a Carina o presente de Gabriela. Ela o pusera no chão aos seus pés e agora o presente a olhava, implorando por atenção como um cachorrinho. Ela o abriu, decidindo que era melhor fazer isso na frente do pai do que na frente da namorada. Com um sorriso, deu a garrafa de xarope de bordo a Vincenzo, riu ao ver a vaca Holstein de pelúcia e a beijou, mas, quando desembrulhou os bonecos de Dante e Beatriz, seu rosto ficou pálido. Era quase como se Gabriela soubesse.

Contudo, ela não tinha como saber que Maya e Carina eram Dante e Beatriz – pelo menos uma para a outra. Enquanto Vincenzo comia o prato especial da casa – peru recheado e purê de batatas –, Carina leu o cartão de Gabriela. Tinha a imagem de crianças brincando de guerra de neve, com o típico Feliz Natal estampado na frente. Mas foram as palavras que Gabriela escreveu de próprio punho que lhe deram um nó na garganta:

Feliz Natal, Coelhinha.

Sei que seu primeiro semestre foi duro e sinto muito não ter conseguido ajudá-la mais quando você precisou. Estou orgulhosa que não tenha desistido. Receba um abraço apertado da sua amiga, Gabriela.

P.S.: Não sei se já ouviu a canção "Wintersong", da Sarah McLachlan, mas parte dela me faz pensar em você.

Carina não conhecia a canção, então a letra que Gabriela não escreveu não lhe veio à cabeça enquanto examinava mais atentamente a arte do cartão. No centro da imagem da guerra de neve, uma garotinha de longos cabelos negros, vestindo um casaco vermelho-sangue, ria. A mensagem, a imagem, o cartão, o presente... Gabriela tinha se esforçado para disfarçar seus sentimentos, pensou ela, mas fora em vão. Isso ficava claro na figura da garota que ria e na canção que ela ouviria mais tarde. Carina suspirou e guardou tudo de volta na caixa, tornando a largá-la aos seus pés.

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