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Elevando minha chuva até uma nuvem
Que caía como cinzas no chão
Esperando que meus sentimentos se afogassem
Mas eles nunca se afogaram, sobreviveram, livres e soltos
Inibidos, limitados
Até que tudo se abriu e a chuva caiu

Believer





Com bastante delicadeza tocou o ferimento no joelho. O sangue escorria no sua perna em um rastro escarlate forte. A carne latejava como as batidas do seu coração. Ela deveria ter chorado como fazia seu irmão, Tahir, porém tudo que conseguiu fazer foi olhar para o corte recém-feito.

Seu dedo seguiu o sangue, até que estivesse tão sujo quanto sua perna. O odor metálico chegara até ela. O liquido era tão quente quanto às lágrimas do seu irmão.

Levou o dedo até a boca, provando o próprio sabor da dor.

O sabor agridoce mexeu com seu estômago. E ela soube que jamais esqueceria aquele gosto tão peculiar, que provavelmente só ela tinha em todo o mundo.

— Asli, o que está fazendo no chão?

Virou-se na direção da mãe, vendo os mesmos olhos verdes que encarava todas as manhãs no espelho.

— Eu cai.

— Uma dama não fica no chão. Nunca. Você já é uma mocinha.

Ela era uma mocinha desde o seu aniversário de quatro anos. A festa havia sido com o tema de outono. Sua mãe preparou um grande bolo repleto de folhas, e uma mesa alaranjada que Asli não conseguia parar de olhar. Eram seus tons favoritos. A mudança que ela sonhava em possuir.

De alguma forma Asli sempre soube que era melhor que todos eles. Não melhor que sua mãe, nunca, porque ela era uma princesa perdida no lugar mais pobre da Turquia. Asli era melhor que seu pai, irmão, e todas as pessoas que viviam ao seu redor. No fundo, todos eles também sabiam que Asli não viera para aquele mundo para morrer naquela sujeira.

Não importava se andava por ruas cheias de lixo, ou se nasceu ao lado de um prostibulo. Sua escola cheirava a mofo, usava tênis usados, camisas manchadas que pertenceram a Tahir, ela não tinha qualquer vestido no armário quebrado. Tudo aquilo eram detalhes passageiros.

O rosto de Asli era tão belo que todos a cobiçavam antes do tempo.

Perdida na podridão, sangrando como o outono nas belas pinturas que de revistas velhas em casa, adormecendo em uma cama suja, comendo uma comida que nem sempre cheirava bem.

Ela curvava-se na janela de madeira cheia de cupins para assistir as mulheres de longos cabelos saírem em busca de dinheiro, e ao acordar conseguia vê-las retornar completamente destruídas. Nenhuma tão bonita quanto sua mãe.

Não deveria ser natural brincar com gravetos perto de um grupo feminino cheio de intenções maliciosas, proferindo palavras de baixo calão, insinuando usando as mãos. E ainda assim, era onde Asli ficava, observando de relance tudo que sua mãe odiava.

— Por que você fuma? – perguntou intrometendo-se na conversa de adultos, algo que nunca deveria fazer.

Elas riram em uníssono, parecendo compartilhar uma piada interna que Asli não conhecia porque era muito jovem.

— Porque nos mata mais rápido.

Assentiu, como se a filosofia fizesse grande sentido para uma menina de cinco anos com cabelo despenteado.

Asli acreditou que elas queriam conhecer o paraíso que sua mãe sempre falava sobre ao anoitecer. Era lá que as ruas eram feitas de ouro e cada um recebia uma coroa de pedras preciosas. Um único homem governava aquele reino que Asli almejava, e todas as noites ela pedia para ser levada ao mundo onde todos eram extremamente ricos. Sua mãe dizia que ele realizava sonhos quando se era boa. Asli era boa. Todos sabiam que ela era boa.

Suas mãos seguravam com força as da suas mãe, pedindo que aquelas mulheres conhecessem o paraíso, e ela não fosse esquecida, porque queria sua coroa de diamantes.

Não queria mais calçados usados, andar perto do lixo, ou esfregar o rosto no travesseiro manchado pelo tempo. Sua vida só mudaria quando conhecesse o homem que realizava desejos.

Ela o conheceria antes de morrer, e levaria sua mãe consigo. 

Viveriam juntas, sendo belas, no lugar onde jamais deveriam ter saído. 

Mastermind ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora