[X-Lilian-X]
O preto puro da minha visão se transforma em branco. Essa branquidão pouco a pouco se desvanece para os lados como uma cortina se abrindo, dando lugar a um jardim circundado por uma floresta de árvores branco-metálicas com múltiplas hélices pontudas no topo que ficam abrindo e fechando um atrás do outro repetidamente, como uma dança ensaiada. No topo dessas árvores estão globos de luz flutuantes que ficam rodando para os lados, como se fossem pequenos sois. Esses globos emitem raios de luz para cima, projetando um céu azul-marinho com nuvens em forma de pixels negros que trafegam entre si como se fossem carros voadores, movimentando-se para um lado e para o outro como um imenso mar agitado.
Percebo que estou deitada sobre um solo de gramado verde curto e bem aparado. Deslizo a cabeça, olhando para frente. Há uma mulher no centro do espaço circular gramado que compõe o jardim, uma androide de pele negra, cabelos negros raspados, lábios carnudos e olhos castanho-brilhantes, a perfeita aparência de uma nativa africana.
Ela está acendendo velas para um santuário de pedra.
— Há quanto tempo, Lilian... — sua voz é grave, porém suave e calma. — Não esperava que fosse te ver aqui tão cedo...
Fico olhando para ela por um momento, levantando-me cuidadosamente. Ela usa o mesmo colete de metal grafeno que eu. Calças e camisa negra de mangas compridas. Todos os equipamentos são idênticos aos meus.
Meus olhos dão uma ligeira arregalada quando a reconheço, então pronuncio o seu nome:
— Zuria Setenta e Quatro...
Zuria Setenta e Quatro...
Zuria Setenta e Quatro...
Um flash do passado golpeia a minha visão. Vejo-me novamente no gabinete ministerial, em Brasília, no dia do Holocausto Cibernético. Zuria estava lá, parada ao lado esquerdo de Lafarc Setenta e Quatro, com as mãos unidas para trás, peito estufado e rosto sem nenhuma expressão. Eu sou a única que está com o rosto virado para ela, mas isso por que estou vendo de fora, como uma câmera flutuante focando bem no rosto dela.
Um novo flash me traz de volta à realidade.
— Você deve estar se perguntando muitas coisas agora — Zuria está acendendo velas utilizando uma vela acesa em cima de um prato de metal cromado. — Eu também fiquei confusa quando cheguei aqui, mas rapidamente entendi tudo... — seus olhos castanho-brilhantes viram para mim. — Eu falhei em minha missão...
— O que?! — aproximo-me rapidamente. — Do que você tá falando?! O que aconteceu?!
— Quando as minhas memórias retornaram, eu me rebelei contra o Comunismo Santo e tentei escapar para o heliporto, porém tiros choveram por todo o meu corpo — ela volta a acender as velas através de movimentos suaves e eloquentes, como se fosse praticar uma valsa. — Infelizmente eu não poderei mais retornar ao mundo dos vivos...
— Mundo dos... — interrompo a minha própria voz de súbito, racionalizando as palavras dela e tirando a conclusão óbvia. — Pera... — meus circuitos começam a reagir através de tremidas. — Tá me dizendo que este aqui é o mundo dos mortos?! Dos androides mortos?!
— Nosso criador idealizou um programa que simula um mundo pós-morte para todos os androides A74B — ela termina de acender a última vela, então fica parada, olhando para o santuário, que se trata de um pequeno pilar feito de pedra cinza-escura, onde um crânio humano jaz no seu topo, circundado por várias velas acesas. — Em morte nós estamos destinados a nos encontrar aqui — aponta ao redor com um suave mover de mão. — Aqui nos reuniremos para cumprir com o nosso propósito de existência...
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URCASUL - Entre Santos e Máquinas
Science FictionEntre 2040 e 2050, o progresso tecnológico transformou o Brasil na maior potência na área de robótica e inteligência artificial de todo o mundo, ameaçando ultrapassar a economia dos Estados Unidos e da China em poucas décadas. Tal sonho foi desmoron...