Sertão Devastado

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[X-Lilian-X]

Meus sistemas voltam a operar. Meus olhos abrem lentamente, e o primeiro que vejo é um paredão de terra arenosa preenchendo minha visão como um cobertor enfiado na minha cara. O cheiro de terra seca e quente invade minhas narinas quando meus sistemas de ventilação reativam. Deslizo o nariz sobre a terra, levantando a cabeça. Estou deitada com o peito para baixo, enquanto o sol derrama seu brilho fervilhante nas minhas costas. Viro a cabeça para a direita. As carcaças da nave estão espalhadas como um pequeno lixão; uma pilha de metal retorcido e queimado.

Uma suave ventania sopra, formando um pequeno redemoinho de terra que passeia pelo horizonte atrás das carcaças. Olho para a esquerda, avistando um pequeno morro de terra árida para subir. Lá, está um carro de traseira alta meio enterrado no solo, com a coloração da pintura tão desbotada que não é possível reconhecer qual era a sua cor original, estando coberto de poeira e ferrugem.

Com as palmas das mãos tocando o chão, eu faço movimento de empurrar, levantando o corpo sem qualquer dificuldade. Passo a mão no coldre da minha arma e sinto estar pegando em uma bola de espinhos. Abaixo os olhos para o coldre. Minha pistola laser virou sucata. Já não serve mais para nada.

Em um movimento rápido de mão, desamarro o coldre da cintura e jogo fora. A carcaça não só ficou grudada no coldre, como rasgou sua maior parte. Nem um catador de lixo vai querer.

Olho para o morro de terra mais adiante.

— Perdida nos Ermos e desarmada — murmuro comigo mesma em um ar melancólico. — Eu tô ferrada.

Inicio caminhada, com as botas de couro negro esmagando terra seca e infértil a cada passo. Aproximo-me do carro em ruínas e paro ao seu lado, olhando para o seu interior através do vidro destroçado da porta do motorista. Os bancos foram retirados, restando nada além de ferrugem. Há apenas algumas formigas-irradiadas perambulando, emitindo um zumbido similar à estática de rádio. Seus corpos verde-esmeralda brilham como vagalumes por conta da radiação, podendo servir como fonte de iluminação quando colocados dentro de aquários sem água. São bem maiores que as formigas comuns, sendo do tamanho de um polegar de mão.

Não há nada de útil aqui.

Volto a seguir em frente, agora subindo o morro através de passos altos, subindo e descendo os joelhos, e os meus pés dando um ligeiro escorrego em um momento e outro. Chegando ao final, dou de cara com uma extensa rodovia de asfalto preto contendo diversos buracos e rachaduras. Ao seu redor jaz um deserto morto e sem vegetação. O céu azul-claro possui poucas nuvens brancas passeando ao longe, e o sol derrama um calor que beira os cinquenta graus. Avisto uma ave solitária voando horizonte à frente, batendo asas e grasnando, mas o sopro do vento é o que predomina aqui, o som mórbido de uma terra devastada.

Sem muita escolha, eu inicio caminhada sobre o asfalto esburacado, aos uivados do vento que formam redemoinhos de poeira por cima das colinas arenosas. A caminhada segue silenciosa durante cerca de 30-40 minutos. Avisto uma criatura quadrupede me espreitando no horizonte, a partir do alto de uma colina. Trata-se de uma mula sem cabeça de pelagem marrom, com olhos e boca localizados na frente do pescoço. Quando percebe que estou olhando, a criatura dá meia volta e desaparece.

Encontro um poste galvanizado caído no meio do asfalto. Agacho-me e passo para o outro lado. Após alguns passos, encontro um drone branco morto no chão, cheio de buracos de tiros pelo corpo e um facão atravessando um dos seus olhos de tubo.

— Hum — abaixo os joelhos, realizando um escaneio rápido no drone; as informações surgindo no canto esquerdo da minha interface. Modelo X04. Morto há 31 dias. Causa da morte: tiro de pistola 10mm. Seguro o facão e puxo, levando-o para perto dos meus olhos. Trata-se de uma lâmina cega e enferrujada. Durabilidade baixa, mas ainda capaz de causar estrago. Ponho-me de pé novamente. — Pode vir a calhar.

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