Ataque da Mariposa

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[X-Eletrogil-X]

Tenho sido mercenário durante anos, enfrentando os perigos dos Ermos com toda a valentia de um soldado que vai para a guerra. Papafigos, mangangás, cangaceiros, exterminadores, mutantes, corsários, nada conseguiu me deter. Cada ano que se passava eu desdenhava mais da morte. Até que, um dia, eu decidi que era hora de parar com isso e partir de vez para uma vida pacata. É engraçado como até a guerra perde a graça com o passar do tempo. Sessenta anos é mais do que suficiente para afirmar isso. Falta de histórias para contar é uma coisa que não vai me faltar.

Comprei o bar Cachaceiros Robóticos de um humano chamado Júlio, que tinha uma filha adolescente que o ajudava no bar, atendendo os clientes e fazendo a faxina. O nome dela era Maria. Na época, tinha quatorze anos. Júlio e eu nos aproximamos muito depois que eu aceitei trabalhar como vigia do bar durante as noites, enquanto eles dormiam. Fiquei cinco anos trabalhando nisso, colocando os bêbados briguentos para fora e afastando possíveis invasores. Apenas três vezes eu entrei em um tiroteio, e em todos eu saí vitorioso.

Porém, tudo mudou depois que Maria arranjou um namorado e ficou grávida. Júlio decidiu que Caravanas Manassu não era o melhor dos lugares para se criar uma criança. O bar foi vendido a mim por meras cem baterias. Foi o mesmo que ter comprado o bar por nada, mas eu não podia reclamar. Não podia perder uma oportunidade daquelas. Vi Júlio, Maria e o namorado dela partirem da cidade para sabe-se lá aonde. Eles nunca me disseram para onde iriam, até porque eu nunca perguntei. O Cachaceiros Robóticos era meu, e isso era tudo que importava. A vida pacata que eu queria estava finalmente em minhas mãos.

Não posso dizer que não estou satisfeito. Dentro de um bar é possível ouvir todo tipo de histórias e rumores de viajantes. Há muito eu percebi que alguns androides entram aqui apenas para ouvir as conversas, não pedindo nenhuma bebida, nada, apenas olhando ao redor e empinando as orelhas. Às vezes eu puxo conversa com alguns deles quando não tenho o que fazer. Sempre ouço uma história diferente. É difícil ficar entediado.

Recentemente, a Lionel Armamentos foi atacada por uma horda de drones espiões do Comunismo Santo. Todo mundo morreu, incluindo o próprio Lionel, e nenhum dos drones comunistas saiu vivo para contar a história. Ninguém necessariamente sentiu a falta de Lionel. Na verdade, a morte dele trouxe mais benefícios para a cidade do que eu mesmo esperava. Só esta semana, dois vendedores de armas já se estabeleceram e abriram os seus negócios aqui na cidade, atraindo ainda mais viajantes. Até mesmo alguns vasos sanitários robôs do Reino Sanitário montaram um culto em um apartamento abandonado aqui perto. Alguns humanos até se uniram a eles, oferecendo suas fezes em troca de comida e água.

Lionel vivia agindo para impedir qualquer tipo de concorrência, matando, sabotando, ameaçando, até botando gente para fora da cidade, tudo para dizer que só ele podia vender armas por aqui. Agora que ele se foi, qualquer um pode vender armas. Puta merda, até eu posso fazer isso, agora. Quem sabe, quando eu conseguir umas baterias a mais e estiver com tédio... Ou eu posso transformar isto aqui em um bar de strip. Acho que isso seria mais interessante. Algumas androides bonitas andaram passando por aqui recentemente.

No momento eu estou atrás do balcão, limpando um copo de metal branco com um pedaço de papel higiênico. O sol está prestes a se pôr lá fora. Alguns caravaneiros já estão ocupando algumas mesas aqui no bar, bebendo cerveja e comendo carne de rato radioativo. Meu drone atendente, Guilherme Três, deposita uma garrafa de cerveja em uma mesa ocupada por duas mulheres lésbicas que estão fumando um cigarro e rindo de uma conversa engraçada.

Sentado ao balcão está apenas um velho bêbado dormindo, boquiaberto e roncando alto, com saliva escorrendo dos dois lados da boca. Em um canto afastado, uma mulher negra amamenta um bebê enrolado em uma toalha de banho, ficando só a cabecinha de fora. Na entrada do bar está Bernardino, meu vigia humano recém-contratado, que está fazendo um ótimo trabalho, cumprimentando com um sorriso a todos os clientes que chegam, causando boa impressão para os turistas. Ele não necessariamente é o melhor com brigas, mas certamente é o melhor com carisma.

URCASUL - Entre Santos e MáquinasOnde histórias criam vida. Descubra agora