Reportando o Ocorrido

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Continuei a carregar Tião inconsciente nas minhas costas até retornarmos ao esconderijo de Vânia, que fica localizado no Distrito Joaquim Nabuco, no segundo andar de um apartamento branco-metálico que contém várias marcas de tiros e ranhuras, além de um aspecto sujo, com uns leves tons de amarelo encardido aqui e ali. Nada surpreendente, tendo em vista que a maioria dos prédios residenciais possuem o mesmo formato e coloração. A destruição do mundo já não mais me surpreende.

Alguns membros da Milícia do Coronel patrulham a região, mas nenhum nos dá atenção. Na verdade, muitos deles estão distraídos com alguma coisa. Um deles, por exemplo, está contando piadas obscenas para um colega, fazendo-o vibrar e gargalhar para o alto. Outro miliciano, porém, está se divertindo com um garoto esfarrapado, ameaçando-o com o fuzil e o humilhando. O garoto fica a chorar e implorar pela vida, gaguejando tanto que parece estar falando um idioma desconhecido.

A entrada do apartamento parece estar mais feia e destroçada do que quando saí. A porta metálica, corroída pelo tempo, está com as duas maçanetas pendurando soltas. Mofo preenche o ar do salão principal, que continua uma bagunça de entulhos e escombros. Móveis quebrados estão espalhados pelo chão, enquanto as paredes estão cobertas por rachaduras profundas e pichações com desenhos obscenos, como de um pênis entrando em uma vagina com líquido escorrendo dos lados. O vento sopra e faz as cortinas rasgadas sacudirem como se em desespero. As janelas não passam de punhados de vidro estilhaçado.

Dirijo os meus passos para o lance de escadas ao fundo, subindo calmamente os degraus desgastados um a um, com Murilo flutuando bem atrás de mim.

— Juro por Deus, Lilian — o drone fala. — Se ele acordar e tentar nos atacar de novo...

— Foi você quem atacou ele primeiro — retruco, dando a volta e subindo uma segunda remessa de degraus, cujos corrimãos estão inclinados e rachados. — Se ele for atacar alguém, vai ser você.

Ele não tinha razão pra ter atirado no próprio pai!

Seu grito me faz parar de subir as escadas. Meu rosto franze em uma expressão de desagrado, tentando pensar em um bom argumento. Poderia ativar o MCT, agora, mas não vejo necessidade. Não estou em uma situação de risco, pelo menos não no que eu acredito. Ele não vai tentar me matar. O máximo que ele pode fazer é me deixar sem argumentos.

— Deixa que eu lido com ele, pode ser? — volto a subir as escadas. — Escolher deixar Tião viver foi escolha minha. O que ele fizer, a responsabilidade é minha.

— Eu salvei a vida dele também, lá em Timbaú — diz o drone. — Se eu não tivesse atirado nos homens do Boris pelas costas, ele e o pai estariam mortos e decompostos.

— Sim, você contou — concordo em um tom triste. — Eles devem muito a você por isso — paro diante da porta para o quarto de Vânia, com o corredor se estendendo mais à frente. Eu movo um pé e bato na porta através de pequenos chutes ponc ponc ponc. Passos se aproximam rapidamente. A fechadura acende uma luz verde e a porta desliza para o lado, revelando Vânia ainda vestindo o uniforme feminazi.

— Ah, graças a Deus — ela sorri, aliviada. — Vocês conseguiram.

— Sim — eu e Murilo entramos no quarto. — Não foi nada fácil — dirijo-me a um sofá marrom, colocando Tião deitado em cima, com a cabeça em um travesseiro velho. — O Distrito da Morte não era o que nós pensávamos — viro-me para Vânia, encarando-a com desafio. — Você mentiu pra nós.

Vania pisca os olhos azuis-brilhantes, confusa.

— O quê?!

Murilo fala:

— A gangue Dragões Gelados não existe mais. Eles se uniram à Milícia do Coronel e se dissolveram já faz sete anos. Como é que você não sabia de uma coisa dessas?!

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