Aparentemente, o bar Cachaceiros Robóticos só fica movimentado durante a noite. No momento, muitos humanos estão ocupando os assentos ao redor das mesas, bebendo, comendo e conversando aos burburinhos, sendo servidos por um drone preto de modelo X03, que só tem um olho de tubo ao invés de dois. Eletrogil está servindo os clientes humanos que ocupam as banquetas frente ao balcão. Por ser uma geladeira, Eletrogil abre a própria porta (ou a própria cara) com um puxão da mão esquerda, enquanto, com a direita, ele retira bebidas geladas guardadas em seu interior e serve para os humanos, que depositam uma porção de baterias na sua mão logo em seguida.
Eu continuo ocupando a mesma mesa localizada em um dos cantos mais afastados do bar, o que me permite uma visão completa do ambiente. Aqui se encontra todo tipo de androides e humanos, desde simples viajantes solitários até mercenários truculentos e comerciantes egocêntricos. Um desses comerciantes está contando uma piada obscena.
— Aí eu cheguei nela e perguntei — é um homem pálido de cabeça calva. — O que foi que tu chupou pra ser tão linda assim, boneca? Ela respondeu: "A BOCA DA PRIVADA" — cai na gargalhada junto com os amigos, dando palmadas na mesa.
Eu fico apenas observando com os braços cruzados, uma expressão séria e as pernas esticadas em cima da mesa. Na outra mesa à minha frente, um androide mercenário está conversando com outro.
— Tem que tomar cuidado com os IA Punks — diz o loiro de olhos verde-brilhantes. — São os cangaceiros mais violentos que eu já vi.
— Já ouvi falar deles — diz o moreno de cabelos pretos. Está de costas para mim. — Dizem que eles se vestem feito aqueles roqueiros de antes da guerra, com cabelo moicano todo colorido e ficam gritando que nem uns doidos desvairados. Só vivem matando, torturando, destruindo. Tudo por diversão.
— Uma vez eu vi eles amarrarem um garoto na traseira de uma caminhonete e aceleraram. O menino sobreviveu por um milagre, e o que foi que eles fizeram depois? Amarraram outra corda, só que no pescoço do menino, e então ficaram sacudindo ele pra um lado e pro outro até a cabeça voar do pescoço.
— Caralho, que doido...
Em cima de uma prateleira, atrás de Eletrogil, está um aparelho de rádio ativado. É um rádio diferente do anterior. Esse possui o formato de um pequeno tijolo de metal preto, onde estão alguns botões verdes, vermelhos e amarelos na parte da frente, enquanto na parte de cima está um pequeno painel holográfico retangular exibindo ondas sonoras pretas sob um fundo amarelo-alaranjado. Está transmitindo a Rádio Comunismo.
— Olá, olá, olá, meus amores da maravilhosa pátria URCASUL — soa uma narradora feminina e carismática. — Eu sou Eduarda Quarenta e Seis de Nova João Pessoa e estou aqui porque vocês são LINDOS! Mas só se você pensar como eu, senão eu corto a sua cabeça com um serrote — solta um risinho fino. — Fiquem atentos, meus lindinhos, pois vossa santidade comunista, Josué Carneiro, tem uma mensagem para todos vocês. Pode falar, santidade.
— Obrigado, Eduarda — fala um homem de voz fluída e charmosa. — Povo querido da minha pátria URCASUL. Estou aqui para deixar claro que as notícias sobre androides que escaparam dos nossos palácios nas capitais nordestinas são totalmente falsas. Não acreditem em nada e nem ninguém que não façam parte da elite aristocrática socialista, pois nós somos a verdade e a luz. E lembrem-se, todos aqueles que ousarem pensar diferente de nós devem ser expurgados da existência. Isso é tudo e viva o comunismo!
— Muito bem, meus amores — Eduarda volta. — Agora, fiquem com um pouco de música e, como modo carinhoso de me despedir, eu dou um beijo na bundinha de todos vocês — faz som de dar beijinho. — Até maaaaaaais!
Depois disso, a rádio começa a tocar uma marcha militar ao som de trombetas, tambores e flautas.
Olho de relance para uma janela no outro lado do bar e percebo uma silhueta transparente flutuando como uma cabeça fantasmagórica parada no ar. Fixo o meu olhar lá. Tzun. Dou um rápido zoom e analiso a coisa com mais precisão. Trata-se de um drone invisível. Um drone espião. Eu deveria imaginar que os comunistas não iam deixar barato a minha fuga. É melhor eu lidar com isso logo e sem causar alvoroço. Para isso, vou ter que me afastar do bar.
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URCASUL - Entre Santos e Máquinas
Science FictionEntre 2040 e 2050, o progresso tecnológico transformou o Brasil na maior potência na área de robótica e inteligência artificial de todo o mundo, ameaçando ultrapassar a economia dos Estados Unidos e da China em poucas décadas. Tal sonho foi desmoron...