Ensaio Para a Guerra

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[X-Calisto-X]

O sono me envolve em um manto morno e reconfortante; minha mente ecoando com as vozes dos espíritos do silêncio, que me observam com seus olhos invisíveis. Mas, em meio a isso, algumas coisas começam a tomar forma, aparecendo imagens em meio a um amplo nevoeiro branco, como se estivesse assistindo um vídeo em uma tela de cinema.

— O que tá desenhando, Janinha? — ouço a minha própria voz no meio da escuridão, com as imagens começando a ganhar forma na tela. — Tá tão bonito...

— Isto aqui é o mundo pré-guerra, papai — ouço a voz dela, minha querida Janinha com a sua voz fininha. — Esta aqui sou eu, este é o senhor, esta aqui é a mamãe e este é o Tião, todos nós vivendo felizes e em paz.

A tela mostra a mim e Janinha no interior de um barraco feito de sucata. Janinha era uma menininha baixinha, de corpo fino e pele morena da cor de café, cabelos negros crespos e desgrenhados. Seus olhos eram duas bolas castanhas que viviam se arregalando em surpresa sempre quando via algo relacionado ao mundo antes da guerra.

— Isso é... incrível, minha filha — tentei esconder o meu desconforto, estando parado ao lado dela, vestindo uma simples camiseta branca com diversas marcas de sujeira. Sabia que era tudo uma fantasia, mas vê-la sorrir me fazia sorrir também. Por isso escolhi mantê-la com essa mentalidade inocente, pois era isso que me fazia sorrir todos os dias. Não conseguia abrir mão disso. Era como uma droga a qual havia me viciado.

— Toda noite eu rezo pra Papai do Céu levar a gente pro mundo pré-guerra. Rezo muito, muito mesmo, pra gente nunca mais ter que se preocupar com papafigo e mangangá de novo.

Meu sorriso transpareceu, nossos olhos apreciando o desenho colorido feito em um caderno de desenho digital preto. No desenho estava eu, Janinha, Tião e Jandira, todos sorrindo lado a lado de mãos dadas em meio a uma cidade cheia de arranha-céus. Ela imaginava o mundo pré-guerra como sendo um mundo alternativo que podia ser alcançado. No fundo, eu queria acreditar naquilo também.

Papafigos — ouvimos o grito de Zé, líder da comunidade local. — Preparem suas armas! Tem uma horda vindo com tudo!

Prák! Pronk! Brunf! Biririririri! Um tiroteio se iniciou. Eu me agitei em meio à barulheira e gritaria, agarrando a espingarda que estava em cima da poltrona.

— Papai?! — Janinha começou a tremer, deixando cair o caderno digital. — Papai!

Fica escondida aí! Eu volto logo — saí do barraco na maior correria. Os papafigos já haviam derrubado a parte frágil do muro de concreto e assim uma horda invadiu com tudo. Apontei a espingarda e comecei a atirar. PROUNFT! PROUNFT! Consegui derrubar dois com aqueles tiros. Mas, daquele momento em diante, tudo aconteceu muito rápido. O casal Amanda e Jaques foram cercados e estraçalhados por cinco papafigos, que saltaram em mim deles e começam a dilacerar suas carnes. Vários homens e mulheres armados da Comunidade do Zé já estavam caídos mortos no chão.

O próprio Zé, homem com chapéu marrom de vaqueiro e barba grisalha comprida, foi cercado por uma horda e levado ao chão.

ARRRRRRRRRGH — seus braços voaram ensanguentados enquanto os papafigos rasgavam e amassavam toda a carne do seu rosto, deformando-o ao ponto de torná-lo irreconhecível.

PAPAAAAAAAAI — o garoto de Zé correu e tentou lutar para salvar o pai. Dois papafigos voaram em cima dele e mutilaram o seu pescoço com o balançar violento das mãos. Meus olhos então sucumbiram à paralisia, assistindo o cadáver do menino sendo transformado em uma pasta sangrenta e escaveirada em apenas alguns segundos. Todo mundo ao redor urrava e chorava de desespero, tentando se esconder ou escapar por suas vidas.

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⏰ Última atualização: Oct 20 ⏰

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