Guerra é Paz

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[X-Mauro-X]

É noite. Pedro e Aline já estão com rifles de caça em mãos. Para mim, foi dada uma pistola 10mm, a mesma que usei para salvar Aline e Nanito do papafigo na Zona Proibida. Nanito, por ser uma cafeteira aracnoide, é o único que está desarmado. Isso, porém, não o torna menos perigoso.

Essas armas foram pegas na Zona Proibida e consertadas por Nanito, que tem conhecimentos de mecânica no seu programa. Obviamente, essas armas não podem, de jeito nenhum, ser vistas por Edmundo Quarenta e Seis ou a Polícia da Ideologia. Nem é preciso dizer o motivo. Se existe a Regra da Não Conspiração, o que mais poderia esperar além de restrições cada vez mais rígidas? O gado precisa se sustentar de alguma forma. Do contrário, como irá o fazendeiro explorá-los?

É estranho ver como o povo comum daqui parece os androides de modelo antigo: obedientes e inexpressivos, sempre seguindo uma rotina pré-determinada e repetitiva. Se humanos fossem como androides, um ataque cibernético massivo destruiria o Garcia, e eu teria sido destruído junto. Mas não dá para hackear órgãos humanos, pelo menos não que eu saiba. Posso estar errado em muitas coisas aqui. Nem tudo foi o que parecia. Estou vendo a realidade nua e crua, sem filtros ou fachadas.

A Zona Proibida não fica longe de casa. Bastou andarmos alguns quarteirões abandonados e em ruínas que rapidamente avistamos o muro que separa a Zona Permitida da Zona Proibida. O muro em si é alto e robusto, feito de concreto branco bastante mal acabado, com vários buracos e rachaduras aqui e ali. Não parece ter sido criado pelo Comunismo Santo. Se foi, deve ter sido há muito, muito tempo.

— É aqui? — pergunto, observando o muro.

— Sim. É aqui — confirma Pedro, dando uma averiguada no próprio rifle. — Esse muro está destinado a cair algum dia. Isso foi um sinal de vossa santidade de que precisamos agir para evitar isso.

— Havia muitos papafigos lá — diz Aline. — Se não fizermos nada, eles vão invadir e matar todo mundo.

— Sim, sim — Nanito parece empolgado. — É por isso que nós temos que caçar e acabar com eles bem assim — desfere socos no ar.

— Então nós estamos aqui para caçar papafigos — olho para cada um deles. — É isso mesmo?

— Isso mesmo — Pedro puxa o destrave do próprio rifle. — Somos os guerreiros do socialismo, a única e verdadeira ideologia.

Que merda, eles são iludidos mesmo. Vejo-os andando na frente. Eu respiro fundo, dando uma olhada rápida na pistola que estou segurando na mão direita. Sua textura metálica se encontra bastante enferrujada, mas ainda funciona e atira. É o único que tenho para me defender das monstruosidades robóticas. Vou ter que lutar para sobreviver. Olho para frente e ando atrás deles. Não demora muito e nós nos aproximamos do muro.

Olho para os dois lados, vendo o muro se estendendo para além das duas estradas mergulhadas na escuridão da noite. As estrelas no céu são poucas. Ainda deve haver áreas iluminadas na Zona Proibida, ou haveria muito mais estrelas. Não sou perito em astronomia, mas sei que a poluição luminosa faz com que as estrelas fiquem menos visíveis. Posso encontrar algo útil nessa Zona Proibida. Algo que me ajude a mudar alguma coisa.

— Por aqui — Pedro me chama. Eu me aproximo e ele me aponta um buraco formado na parte de baixo do muro, o suficiente para uma pessoa se arrastar e passar para o outro lado. — Eu vou primeiro — Pedro se agacha, deitando o peito no chão e se arrastando para frente, com o rifle ainda na mão. Ele passa pelo buraco com facilidade.

Aline olha para mim.

— Vai você.

Olho para o buraco, depois para ela. Aceno positivamente com a cabeça. Enfio a minha pistola em um bolso lateral do sobretudo preto, em seguida me agacho, tocando o peito no chão e me deitando. Depois, eu me arrasto na direção do buraco, como se estivesse nadando em cima da terra. O buraco é largo o suficiente para até uma pessoa gorda passar. Quando a metade do meu corpo passa para o outro lado, vejo a mão de Pedro estendida para o meu rosto. Ergo a minha mão e aperto, fazendo esforço para passar o restante do corpo e me pôr de pé.

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