[X-Lilian-X]
Dois dias se passaram. Calango, Tião e Murilo estão zanzando pela cidade em busca de alguma oportunidade de trabalho, passando as noites no bar Cachaceiros Robóticos. Enquanto eles estavam fora, fiquei gravando as cenas eróticas de Margaret Silva com o seu marido papafigo. Um trabalho de merda, mas que rendeu bem. Margaret me deu oitenta baterias como pagamento total pelas gravações, o suficiente para conseguir um bom armamento. Agora mesmo, eu estou andando pelas ruas lixosas da cidade, sob a sombra dos prédios defasados, em busca de alguma loja de armas.
Minhas botas batem e rebatem na calçada cinza de uma avenida em meio a uma área residencial formada por apartamentos. O asfalto, banhado pela luz faiscante do sol, está repleto de veículos arruinados que servem de moradia para humanos sem-teto. Criaturas jigas com caixas de suprimento amarrados nos dois lados do corpo seguem os caravaneiros, que trajam coletes verdes cheios de bolsos na frente, além de chapéus longos que escondem os olhos nas sombras. Eles andam rodeados de guardas armados que são tanto humanos como androides, drones e até eletrodomésticos.
Um deles, uma cafeteira aracnoide de aparência branca e enferrujada, segura um rifle miniatura PP22 de aspecto marrom e defasado, cheio de fitas adesivas coladas aqui e ali. Ao lado da cafeteira está um liquidificador sem jarra segurando um bastão elétrico. Entre os androides há apenas um casal, ambos de pele clara, com bandanas vermelhas escondendo toda a área da boca e óculos escuros ocultando os olhos. Ambos estão carregando espingardas automáticas Z3, capazes de dar três tiros seguidos.
No interior de um beco, um micro-ondas quadrupede está montado em cima das costas de outro micro-ondas quadrupede, sacudindo os quadris para frente e para trás em movimentos de penetração sexual, soltando gemidos eletrônicos de prazer.
— Tá gostando, não é, seu safado? — diz o micro-ondas que penetra. — Tá gostando desta piroca?
— Ai, que delícia, cara — o outro geme com uma cara sorridente. — Mete gostoso, vai...
No final da calçada, encontro o caminho à frente e à direita bloqueado por muros de sucata. Direciono-me então para a esquerda, atravessando a rua e seguindo reto pela calçada esburacada. Porém, desacelero os passos ao passar frente a um beco cuja entrada está bloqueada por uma cerca alta de grades com arame farpado amarrado no topo. No interior sombrio e úmido do beco: homens, mulheres e crianças estão com parte de suas peles descascando numa coloração vermelho-sangue. Os lábios estão pretos e inchados, além de parte dos cabelos já terem caído. São cancerosos, adoecidos por exposição extrema à radiação nuclear.
Eu paro de andar, fixando o olhar neles. Um garotinho nu está sentado com as costas escoradas numa parede lateral. Seus cabelos caíram completamente, e mais da metade do seu corpo está deformado em um tom vermelho e rosado. Uma mulher ao fundo tosse sangue na própria mão, respirando fortemente, com a boca preta amplamente aberta como uma cratera. Um homem morto com o corpo cor de sangue, deitado com o peito para cima no chão úmido, está com dúzias de mosquitos rodeando, saindo e entrando de sua bocarra aberta. Ao lado dele está uma garotinha nua e careca com a bochecha amassada no chão, a bocarra aberta, um dos olhos fechados e o outro aberto, totalmente branco. Está tão morta quanto o homem rodeado de moscas.
— V-você — um homem desfigurado me aponta o dedo, falando com a voz rouca e dificultada. — Vejo o seu futuro — sua mão tremula em chacoalhadas frenéticas. — Você decidirá o futuro dos homens... O futuro... da criação de Deus... Vocês androides são... os netos de Deus... CURF! CURF — tosse e se contorce. — CLÓRRÓRF! CLÓRF! CLÓRRRRRF!
Desvio o olhar e acelero os passos. Netos de Deus? Do que ele está falando? Vou decidir o destino dos homens? Nenhum homem pode ver o futuro, muito menos o futuro de uma máquina. Talvez a radiação tenha deteriorado o cérebro dele, fazendo-o dizer coisas sem sentido. De todo jeito, ele não vai viver muito tempo.
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URCASUL - Entre Santos e Máquinas
Science FictionEntre 2040 e 2050, o progresso tecnológico transformou o Brasil na maior potência na área de robótica e inteligência artificial de todo o mundo, ameaçando ultrapassar a economia dos Estados Unidos e da China em poucas décadas. Tal sonho foi desmoron...