CAPÍTULO 14

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  A turca estava incomodada com Stella:
  — Lan, é difícil ser minha amiga. Talvez… seja por isso que eu perdi os meus…
  — Confio que todos aqui os abandonaram. Eu os demiti, mas dá no mesmo. Nós não devemos sentir tanta culpa em abandonar o passado e seus habitantes, é como arrancar uma faca do peito de alguém que a muito tempo sofria — situou as unhas nos dentes. — Me deixe adivinhar, escola?
  Sunru ficou  fascinada e adoçou-se:
  — Escola... tínhamos acabado o fundamental e seguimos caminhos divergentes. Eu havia sido aprovada no Virtudes Ocultas e eles foram para uma escola qualquer… — resmungou — Acho que as palavras que mais repeti naquele dia foram “Tchau” e “Adeus”. Mesmo sabendo que tem significados diferentes...
  Puxa, nunca reparei que pareço uma velha falando…
  Stella acreditava que indivíduos desesperados feito Sunru tendiam a ficar obcecados a confessar-se com qualquer um que as considerarem dignas de pena e autopiedade. Tudo o que a angústia precisava é de alguém que a escute, daí nascia empregos como os de Erick.
  — E o que você fez? Se martirizou?
  — Você sabe... temos a reputação de sermos bem soberbos com quem não é do nosso colégio. Mas eu tento ao máximo não ser assim.
  — Não deveria! Isso é uma submissão desproporcional com o nosso internato! Em qualquer relação você deve ficar por cima.
  — Perdão! — a otomana parecia querer se abrigar com as palmas. — É só que… reconheço que fui eu. Eu fiz a escolha… porém, ao mesmo tempo sinto uma raiva primitiva por eles não saberem a pressão que eu passo.
  — Talvez Erick… — Stella socou o punho no ombro do garoto, o qual acordou confuso de um cochilo. — Ele é psicanalista. Diga para ele o que sente.
  — Não sei… É como se alguém tivesse puxado uma tomada de mim, e tudo, emoção, sentimento, medo se esgotou. E agora virei uma casca. Acho que levaram os pedaços da minha alma embora e só restou a carne doente.
  — Parece que é saudade.
  Sunru tentou compreender meio inerte.
  — Que nem nostalgia? Não é um tanto simples?
  Erick rememorou que o conceito de "saudade" não existe em todas as línguas no seu mesmo potencial,e necessitou-se discriminar.
  — Oh, não. A saudade traz inspiração para fazer algo novo. Já para mim, nostalgia  é uma condição médica. Enquanto se pode “matar a saudade”, ao entrar em contato com algo que já foi vivenciado, a nostalgia só aumenta, pois traz recordações que jamais serão vividas novamente.
  — Mas todos os momentos são únicos. "Matar a saudade" não faz sentido, porque depois vai ser como ter mais lenha para queimar. Como quando os soldados iam e viam na primeira guerra.
  — Mas você não é tão velha ainda, seus amigos provavelmente ainda estão vivos, e lembre-se, vivemos em um mundo pequeno na era das conexões, onde é relativamente fácil se conectar uns com os outros, mesmo que vivam em diferentes partes do mundo — a voz dele era serena como um dia ensolarado — Em tese, qualquer uma delas está vinculada a outra por no mínimo seis elos.
  Sunru, caótica, situou as luvas na bochecha.
  — Seis elos? Já vi isso em algum meme ou coisa parecida...
  — Essa é a ideia central da teoria dos seis graus de separação de Stanley Milgram. Se parar pra constar, somos mais propensos a criar laços com quem já faz parte da nossa rede social. É como se cada amigo abrisse um novo universo de possibilidades.
  A otomana parecia espantar mosquitos de altivez.
  — Isso só funciona com famosos e mídia.
  — Não, isso foi provado em 1967. Num experimento, conhecido como "Mundo Pequeno", que envolveu o envio de cartas a partir de Nebraska e Kansas para destinatários em Boston. A regra era simples: cada pessoa deveria enviar a carta para um amigo que, em sua opinião, tivesse maior chance de conhecer o destinatário final...
  —  E o resultado?...
  — A maioria das cartas chegou ao seu destino em apenas seis elos.
  A turca refletiu encarando o piso.
  Eu.  Euzinha? Posso estar sendo asfixiada por um laço com uma francesa aleatória que é amiga de um amigo meu que conversei na festa de aniversário do meu Deniz... E através dessa série de laços, eu me conecto com qualquer outra pessoa no mundo...
  Sunru levantou com os olhos meio vermelhos e esperançosos.
  — E a saudade, ela tem cura?
  Erick a mirou sério fantasiando com remédios antidepressivos:
  — Jamais — os três pareceram tristes com a simplória verdade.
  Todos os seres humanos sofreriam da mesma doença.
  Stella findou o minuto de melancolia ao ativar seu súbito gênio:
  — Não podemos sentir essa tal de saudade. Pessoas como nós não sentem saudade. Não sentem nada — um sentimento nacionalista apossou-se dela antes de virar-se para a turca. — Falha ao não ver que é uma boa garota. Nem merecia estar neste voo.
  Sunru não interrogou a estranha formulação da frase, havia tanto tempo desde que alguém a chamou de "boa". Stella não tinha nenhuma conexão com ela pré-estabelecida e não sabia absolutamente nada sobre a mesma, ainda assim, Sunrü só pode ficar…
  Excitada.

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