CAPÍTULO 12

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  Todos voltaram a fazer seus passatempos logo que a aeronave firmou-se na altitude de cruzeiro.
  A dinamarquesa assistia TV de fone e muitos dormiam com objetos aleatórios no rosto, mas uma pessoa em especial chamava a atenção. Um alemão, trajando um suéter azul e um boné estudantil, dormindo em um travesseiro, o qual incomodava o judeu ao lado folheando um livro sobre, segundo a capa roxa, harmonia.
  Existia também aquela turca. Realmente ela parecia um pouco mais velha. Estava no assento para a janela, sem ninguém na lateral. Seus cabelos ruivos estavam apoiados nas suas luvas fechadas, enquanto não deixava de fixar o olhar azul cintilante para a abertura de vidro: nas nuvens, tão escuras e densas que poderíamos cortar. Era como se estivesse com saudade do seu destinatário, somente para um relâmpago a intimidá-la.
  Stella assobiou para ela, tirando-a da aflição.
  — O que quer? — disse a otomana arrastando-se até o banco vazio anexado.
  — Nada, só estava pensando, ficaremos aqui juntos pelas próximas horas, poderíamos conversar.
  — Lan, meu pai sempre dizia que eu não era boa com conversas.
  — O quê te afeta tanto olhando por essa brecha?...
  — Eu só estava sonhando acordada, com o quê aconteceu a aquela moça. A imagem dela convulsionando não sai da minha cabeça.
  Nessa hora, ela é foi atingida de leve no crânio pelo judeu com o livro. Ele queixou-se baixinho com as duas:
  — Prometemos não falar mais disso! — todavia, logo ao se acomodar, respirou arrependido — Ufa, desculpem... às vezes fico furioso como na situação passada...
  Todo mundo se esforçava para esquecer o quanto aquilo era estranho. Ignorar uma morte? Como já disse Antoine de Saint-Exupéry, "Quando a situação é estranha não se questiona".
Stella animou-se com o novo elemento no diálogo.
  — O que está lendo?
  O israelense voltou a sua atenção para o livro.
  — Ah! Isso? Meu livro. Meu parcialmente, há trechos de diários de afro-feiticeiras e outros cultos — ajustou o dedo em uma das páginas. — Sabiam que elas rogavam aos mortos.
  — Uau, isso foi de zero a cem muito rápido — alegrou-se a jovem. — É crente nisso?
  — Não exatamente, estou tentando organizar todas as fés em uma só.
  Sunru o questionou:
  — Tipo fundar uma religião? Mas... qual o motivo? Já há tantas.
  O legente retribuiu:
  — Por que? Assim que eu terminar teremos a religião universal, longe de rejeição e compatível com qualquer pessoa — gracejou — Almejava acabar esse livro até chegar em "Canaã", mas está sendo mais difícil do que eu imaginava, todos os dias estou evoluindo e o que escrevi no dia anterior parece inferior. Ah! Falando em crer, não me apresentei, sou Haim Naftali, membro do curso de teologia da I.V.O.
  A turca teve um déjà vu.
  — Estranho, tenho a impressão que já te vi antes... — ignorou — O que apurou até agora?
  — Um entre vários podres cortes, como que algumas necromantes consumiam cadáveres em cerimônias de invocações — embaraçou-se em outro argumento. — Oh, e sobre ter me visto antes, devia ter sido só alguma reportagem. Já participei de tantas...
  As jovens puderam ouvir nas fantasias, os empregados de Denver, mastigando a carne de moças.
  Erick deu sua opinião:
  — Ou talvez você viu ela na infância e a sua memória inerte ressuscitou. Irônico! Vocês podem ter passado por mim quando eu era pequeno e apenas agora nos conhecemos...
  Figurantes iguais a mim. Fantasiou.
  A jornalista interrogou algo a respeito da obra.
  — O seu livro também aborda a vida pós-morte? Gosto dessas coisas místicas.
  — Eh, sim. Somei a crença no paraíso das religiões abraâmicas e a existência contínua nas doutrinas indianas.
  — Onde a nojeira da circuncisão entra nisso?! — não notaram que o alemão havia acordado. Seus braços cruzados demonstravam desinteresse. — Já que é um hábito os judeus machucarem recém-nascidos.
  Haim mordeu tanto a língua de indignação que pensou que fosse feri-la.
  — É uma aliança com Deus! Seu filhote de Hitler!
  Stella intercalou os dedos no braço da poltrona. Estava interessada onde isso iria chegar, mas ao mesmo tempo queria despachá-los da vista.
  — Então, eu não quero mais atrapalhar, tenho que "entrevistar" uma possível amiga.
  Sunru ficou pasma e brincou com sua gravata constrangida.
  O israelense ergueu-se para buscar um canto atrás, o mais longe possível do germânico. Ao achar, voltou meio furioso para os registros.

Ystería no Voo7300Onde histórias criam vida. Descubra agora