CAPÍTULO 23

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   O avião seguia fugindo com a sanidade de todos.
  Erick queria aproveitar a oportunidade de estarem reunidos.
  — Precisamos discutir o que presenciamos. Se ao menos houver uma caixa-preta nesse voo, este poderá ser nosso último registro.
  — Discutir o quê? — Alma parecia alucinada ao ajeitar os óculos. — A aeromoça é uma terrorista e pronto.
  — Parece muita convencida disso, devo lembrar que é a única aqui com conhecimento sobre drogas o suficiente para envenenar uma pessoa — o psicanalista pôs a mão na cintura.
  Já ela colocou os dedos sobre o coração.
  — Está suspeitando de mim?!
  — Todos são suspeitos… — os tripulantes começaram a se mirar. — Vamos recapitular os fatos.
  Haim pisou com um dos pés numa poltrona para participar da sua última discussão possivelmente.
  — Sim, mas não vamos nos limitar. Devemos ver primeiro a movimentação do carrinho todo esse tempo.
  O alemão acendeu-se como quem teve uma ideia.
  — Eu começo então. Enquanto conversavam besteiras prestei bastante atenção com meu olhinho naquela comissária — seu timbre de voz identificava malefício, o qual causava nojo nos outros. — O vagão durou bastante tempo no corredor, até que, por volta de uma hora depois, Marilyn aparentemente cansou-se de carregar aquela coisa e o depositou no final da aeronave. Atrás da cortina que dá para o banheiro.
  Haim falou envolvido por importância:
  — Interessante… muitas pessoas poderiam ter ido lá nesse meio-tempo — Ele imaginou intrigado uma forma de testar a convicção de todos. — Quem foi ao banheiro na última hora por favor levante a mão — o judeu hasteou sua própria palma e a de Sunru desmaiada. Desculpe.
  Enquanto os estranhos se transpareciam, Erick concentrou-se alguns segundos no corpo da turca quando Haim a içou; na sua respiração rápida e pálpebras convulsivas, depois também subiu o braço.
  Contou-se mentalmente os suspeitos do crime: Anna Niinistö, Erick Silva, Haim Naftali, Richard Graf, Sunru Süren, Yuma Sakamoto, Noh Yeen,  Tilde Poulsen e a réu mais provável de todas, Marilyn Kennedy, a aeromoça.
  Fora a comissária, nada de incomum havia nos álibis deles, os quais eram idênticos. "Simplesmente levantei do meu canto e fui ao banheiro".
  Um pensamento alto atravessou a cabeça de Alma.
  — Sério que um de nós poderia ter envenenado o café?! Não!
  Rapidamente Erick respondeu:
  — É uma possibilidade, mas outro fato me chamou a atenção.
  — Qual? — questionou o judeu.
  — A reação da aeromoça. Foi como se o veneno "não fosse para ser assim" — o psicanalista cheirou o que restou da xícara. — O café já podia estar adulterada, porém algo fez o efeito em Stella piorar, né, Marilyn? — o garoto fez uma pausa quase impedindo sua lembrança para caçar uma concordância com a aeromoça. Contudo, não achou. — Antes de ir ao banheiro Stella me disse que estava sentindo dores desde do aeroporto. Apresentava nervosismo nas mãos e esfregava a barriga constantemente — Ele imitou os gestos da amiga morta — Talvez a dor….
  Alma ajustava os óculos duvidosa.
  — Dor? Como dores femininas? — a garota tentou somar "A" mais "B" — É absurdo, entretanto tudo até agora parece absurdo, e se uma possível menstruação tivesse sido contaminada pela hemotoxina no café e ficado "superdesenvolvida".
  Erick arregalou as pálpebras quando ouviu tal hipótese.
  — Agora está inventando historinhas de terror. Nos diga você! Esqueceram? Ela é a única aqui com educação clínica.
  — Eu não fiz nada! Se quiser, olhe minha maleta — a finlandesa caminhou até sua poltrona e juntou o objeto de debaixo.
  — Pois, eu faço com muito gosto — encantou-se. — Melhor! Vamos todos revistar as bolsas, aí eliminamos mais suspeitos.
  A estudante abriu a maleta de alças pretas, arestas castanhas e superfície limpa, e remexeu seus itens na frente dele.
  O psicanalista levantou uma longa agulha, pôs a observá-la misticamente na altura do nariz e a colocou de volta, junto de outros instrumentos terapêuticos afiados, como bisturis reluzentes. Uma cara de pretensioso o acompanhava. Por que os trouxe?...
  O restante tirou suas mochilas do bagageiro cuidadosamente. Haviam de todos os tipos. Desde bolsas antifurto, atravessando maletas de negócios, até mochilas-carteiras de couro.
  O israelense encarregou-se de revistar os pertences dos outros, inclusive da vergonhosa mochila de cordas de Erick, cujo rosto ficou enrubescido.
  Não acharam nada de suspeito, porém quando chegou a hora de Richard ser inspecionado, a finlandesa ao longe ouviu um som de choque, por isso velozmente fixou os olhos na situação à sua frente.
  O judeu e o psicanalista puxando ferozmente a grande bolsa cilíndrica do alemão, o qual esforçava-se para machucar a mão dos oponentes.
  — Ei! — disse ela, enquanto corria para ajudar o mecânico. Segurou a mochila do lado oposto e olhou para os dois sentinelas. — Deixe-o em paz se ele não quiser ser revistado.
  — Por quê deixaríamos?! Ele é como todo mundo.
  Alma apressou-se na resposta:
  — Eu confio nele.
  Haim começou a rir vagarosamente e Erick almejava uma abordagem mais calma.
  — Alma… não estamos pedindo nada demais — Alma demorou mas ainda sim balançou a cabeça negativamente.
  — ENTÃO ME DÊ ISSO SEU ESQUISITO! — Haim tomou o item com tanto ódio no corpo que nem deu tempo de reação.
  Nesse mesmíssimo momento, o maior estremecimento até então surgiu em cada átomo daquela cabine.
  Deus! Minhas pernas!
  O que é isso?!
  Em seguida, a aeronave girou entre as nuvens escaldadas e os raios, criando uma desordem similar ao segundo círculo do Inferno de Dante.
  O da luxúria, onde os pecadores eram constantemente arrastados por ventos impetuosos enquanto lamentavam suas escolhas e se arrependiam de sua falta de controle.
  O carrinho de jantar locomoveu-se e despencou, quebrando e derramando petiscos: arroz, tomates, batatas, queijo e pudim. Os bagageiros se abriram liberando as mochilas recém postas e outras coisas cortantes para participar do carrossel de loucura. Quem estava em pé foi jogado sabe Deus para onde. Alguns brigavam para agarrar o livro de Haim, em um esforço inútil de redenção celestial.
  Uma sirene atordoante nas sombras, era a cereja do bolo.

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