CAPÍTULO 16

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  A comissária, junto a uma simpatia, voltou a sua rotina de perguntas para os tripulantes.
  Erick sabia que aquela simpatia era falsa, era só olhar para o sorriso que não usava alguns músculos ao redor dos olhos, porém em sua ingenuidade imaginou.
  Coitada… não deve gostar daqui… se sente submissa ou algo assim? Eu me sentiria se soubesse que meu emprego é um dos mais sexistas do mundo. Dizer aquilo todos os dias. Ao mesmo tempo que balança aquelas mãos fechadas para lá e pra cá.
  O salto dela fazia um toc toc prazeroso.
  Fora isso, algo no trajeto estava próximo de oferecer um mal presságio.
  Enquanto Marilyn tentava explicar que não havia glúten na comida para a finlandesa, as luzes da cabine começaram a piscar, deixando todos em silhuetas, o qual só podia-se ver suas roupas destacadas. Além do mais, conseguia-se ouvir o que imitava gemidos fracos de mulher. Olhavam para cima.
  A finlandesa segurou o braço da aeromoça com força e aturdida:
  — O que infernos é isso?! — pergunta ela.
  Será que aquela maldita quer se vingar?
  Eterno! Deixe me em paz!
  A comissária tentando se esquivar disse:
  — Eu vou checar a cabine do piloto. Deve ser apenas uma zona de turbulência…

  Alguns minutos após, ela volta trazendo a notícia, para os passageiros preocupados:
  — Acalmem-se, certo?… a frente fria ficou mais forte do que imaginávamos. A tempestade realmente pode causar algumas turbulências — todos os estudantes sussurram assustados ao passo que a aeromoça tentava acalmá-los. — Mas não precisamos nos preocupar, nenhum evento do lado de fora pode nos afetar dentro da aeronave.
  Nesse momento as rajadas de vapores colidiam com o metal da aeronave e atravessavam as turbinas. Um trovão vibrou o corredor amplo, o qual contrariava Marilyn.
  — É apenas o barulho  do trovão. É pior ainda no céu... — a aeromoça agarrou de dentro da jaqueta uma carteira. — Melhor revisarmos os protocolos de segurança — apontou-a para os estudantes. — Prestem atenção! Peguem os cartões que vocês receberam e que ninguém leu. E! Não os troquem, eles possuem suas fotos.
  Em sincronia, pegaram seus cartões de segurança, onde continham informações específicas para situações específicas.
  A voz da comissão foi abafada pela conversa dos nossos dois passageiros peculiares:
  — Cartões excelentes — falava Stella sorridente, enquanto girava o cartão com as mãos. — Mas não seriam úteis em uma queda livre — seu rosto entrou em choque e decaiu. — Não tinham isso no meu voo anterior. As coisas poderiam ter sido um pouco diferentes...
  Erick curioso perguntou:
  — O que poderia ser tão diferente?
  Stella, saiu do transe.
  — Nada, turbulências. Muitas turbulências. No voo anterior. Só que viajar em aeronaves como essa sempre fazem as imagens voltarem. Era como se toda a sua pele escorresse para baixo feito chuva distorcendo a realidade. Suas pernas estão no chão mas você não as sente lá…
  — Sinto muito pelo susto… — acalentou Erick sem convicção.
  Um sorriso reto invadiu a face de Stella.
  — Não será maior do que o de vocês.
  O rapaz pávido, pergunta.
  — Por quê?
  Ela retribui exaltada.
  — O avião vai cair! — seguiu-se de uma risada contida pelas garras da moça.
  Todos na aeronave param suas distrações e ficam confusos, com medo e com um certo ódio.
  O mesmo judeu que estava louca para decolar, saltou os peitos para o pico das costas da poltrona a sudoeste dela, e perguntou se isso era verdade. Outra mandou repetir.
  Erick se levantou da cadeira e teve que discursar para a elite.
  — Gente, a Stella é uma garota traumatizada, claramente está sofrendo de reminiscência! Diga para eles Stella!
  Os tripulantes com péssimas caras, silenciaram-se e prestaram atenção na jovem:
  — Vocês não têm senso de humor ou o quê?! Anos de privilégios acabaram com o humor de vocês?!
  Os estudantes ofegantes resolveram ignorar aquela humilhação e as risadas afim de relaxarem.
  Erick se sentou contrariado e indagou.
  — Por que disse aquilo?!
  Stella diz:
  — Não foi engraçado? — executou um empurrão em seu tórax — Você deveria rir das coisas como são, afinal, você é brasileiro.
  — Não tem ideia do quanto luto para acabar com essa vulgaridade — o rapaz tinha uma notável voz depressiva, mas ao mesmo tempo apta a arrepiar alguém. Do que essa pessoa é capaz?
  — Isso deixou você com raiva? Espere até eu perguntar quem inventou o avião.
  — Sério?! Eu deveria… — Erick queria esquecer a bronca, mas estava tão inquieto. Respirou fundo. — Pergunte para a comissária, ela é americana. Digo! Uma "verdadeira americana".
  — Certamente eu não preciso. Sei que foi em mil novecentos e pouco. Um tal de Santos… Santos… Santos do quê mesmo?…
  — Dumont! — afirmou Erick contendo a boca.
  Isto posto, ela começou a exprimir epiléptica como um ditador em seus timbre altos e baixos:
  — Bingo! Um patriota! Dumont sobrevoou aquele Cacete Eiffel e nos amaldiçoou a isso. Ele merece todo o meu desgosto por criar essas máquinas de tormento!
  O rapaz a agarrou pela cintura e olhou bem nos olhos sem fundo dela. Tentava amansala:
  — Por favor, sossegue! Acho que foi uma experiência terrível, mas acredite, eu já vi coisa bem pior e estou aqui estável! — Ele  sabia que estava sendo egoísta e propôs corrigir-se. — Também vi muitas pessoas, piores mentalmente do que você, quando aterrisarmos, porque eu sei que vamos, vou examiná-la! O que acha?...
  A demente ficou sem ação. O rosto dos dois estava o total oposto um do outro. Até que ela quebrou o silêncio:
  — Poderia tirar a mão da minha cintura — Erick avistou o braço e retirou frenético. Estava corado.
  — Por que? — duvidou a garota afônica.
  — Por quê o quê?
  — Por que quer me ajudar?
  — Esse é o meu trabalho. Era do curso de psicanálise, lembra? E em especial, quadros histéricos como o seu me atraem. É um hobby bem individualista eu diria.
  — Então, por favor, diga o que tenho.
  — Bom… é difícil saber em poucas palavras. Você aparenta ter gatilhos perante turbulências ou menção de coisas relacionadas, o que é um sintoma de estresse pós-trauma — Erick juntou as frestas do punho. — Você tenta reprimir isso?
  — Sim, mas borrões aparecem para mim quando sonho acordada…
  — Entendo… seu inconsciente desperta…
  — Meu o quê?
  — Seu inconsciente, onde fica a maioria dos problemas inquietantes — o garoto posicionou o braço tentando imitar uma árvore. — Imagine que o seu cérebro é uma figueira, onde as folhas expostas são suas percepções e as raízes são o inconsciente, medos, traumas violentos, desejos egocêntricos — com o outro membro simulou um machado. — Se fizermos um corte no caule, cuja função é transportar as memórias de um lugar para o outro, sobrará apenas  loucura…
  — Poderia me dar um exemplo mais claro?
  — Olhe em volta, você provavelmente consegue diferenciar um europeu de um latino, porém não repara nos requisitos que usa para fazer essa distinção.
  A comissária enrugueceu a face quando os viu encarando os outros. Na verdade, todo mundo fica com raiva quando tem uma pessoa o encarando. Parece que pode-se ver todas as suas perversões as quais quer fazer.
  — Uau, você é muito inteligente, mas agora deixe que eu faça uma análise psicológica sua.
  — Minha?!...
  — Sim. Pessoas como você não devem trabalhar em equipe, certo?
  — Bem, errado, na verdade eu tinha uma equipe no Brasil — Stella ficou surpresa pelo engano que já era deduzido. — Nós investigávamos casos estranhos de ystería pelo mundo. Só que agora estamos um pouco desapegados…
  Opa! falei demais! Ok, finja ignorância.
  — Foi por isso que foi escolhido? Acredita nos boatos sobre Denver?
  — Uma conspiração composta por funcionários de um aeroporto? — falou em tom irônico — Claro que não, é como aqueles supostos abusos em creches nos anos oitenta. Era apenas um pânico moral…
  — Então por que está aqui? Você fez algo de muito ruim?...
  — Eu recebi a carta como todo mundo, o máximo de maldade que eu já fiz está num curta-metragem meu, polêmico por alguns cortes…
  — Oh! Vamos assisti-lo.
  — Tem certeza?... Você não vai gostar…
  — Besteira, já gravei podcasts muito piores — disse Stella pesquisando no televisor a sua frente.

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