CAPÍTULO 22

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  As lâmpadas estavam fracas e oscilantes, porém os relâmpagos os iluminavam nos intervalos sem luz.
  O israelense estava abraçando o corpo fraco de Sunru.
  O alemão, continuava na mesma posição, todavia só se podia ver um de seus olhos, o outro estava coberto pelo boné.
  Levantou-se exibindo sua estatura média (para alguém com treze anos), e pegou uma grande mochila no bagageiro de cima. De lá tirou uma caixa de fósforos.
  Os estudantes romperam aleatoriamente a escuridão incerta com seus corpos, porém, nesta hora, uma cena chamou a concentração de todos.
  Era Erick em cima da carcaça da sangrenta Stella. Estava com os braços na altura dos seus ombros.
  Ela deixou algo sair da boca:
  — Ai… eu conheço esse clichê… — deu uma risada rouca acompanhada pela do garoto.
  — Queria que tivéssemos tido mais tempo para nos conhecer melhor…
  — Querido… nós temos a mesma proximidade de alguém que você viu no Instagram. Uma frágil conexão consome 1 ano ou mais, e certamente não será feita em 1 hora — Ela apertou sua mão — Mas não se preocupe, teremos todo tempo do mundo... — havia cessado a voz para olhar para cima enquanto lágrimas misturadas a sangue desciam pelos cantos de seu rosto. — Nossa… é tão… lindo… — antes que pudesse terminar a frase, os olhos dela taparam-se igual a tumba de um crucificado.
  Subitamente, mais do que tristeza ou medo, Erick foi dominado por uma fúria.
  Vou fazê-la pagar por isso. Eu prometo que vou…
  O jovem tentou limpá-la o máximo que podia com o seu casaco nas mãos. Ele devolveu o corpo ao chão e cruzou as mãos de Stella sobre o peito.
  Ergueu-se em pé e trouxe um fôlego gigante ao ambiente. Os espectadores silenciosos apenas o observaram examinando o teto.
  A aeromoça sacudiu-se nas cortinas, camuflando seu uniforme e reparou todos a fitando em uma fusão de fúria, repulsa e fobia.
  — Ainda temos chá… — Ela segurou uma xícara.
  Sem demora, Marilyn percebeu que sua amolação não iria funcionar e esforçou-se como um réptil para chegar na cabine de controle, ao passo que, Erick saiu da pose de estátua e a segurou no pescoço ainda sujo de sangue.
  Empurrou-a mais para a vanguarda da nave, enquanto ela tentava o ferir com as unhas, no entanto as tinhas cortado hoje de manhã e estava medrosa como um bebê.
  Ouvia-se reclamações em inúmeros idiomas e vidro rachando no interior apartado da cabine.
  Naquele lugar, a estorvos atrás da cortina, o estrangulador estava exaltado à medida que o punho apertava a pele elástica da mulher de olhos esbugalhados, cuspindo e de língua de fora. Ouviu-se um som abafado de algo se quebrando. Talvez algum osso do pescoço dela.
  Entretanto ele a deixou cair feito uma cadela lavrando. Na verdade, era tão insignificante quanto uma cadela.
  Erick percebeu que a cabine estava sem piloto e contava apenas com um volante mexendo-se desacompanhado, feito em uma espécie de piloto automático.
  Estava estonteante o vitral dianteiro da aeronave, exibiam a mesma visão das janelas comuns só que muito maior, mais surreal, criando um vale estranho.
  A condução perfurava as nuvens e aparentava colidir com as descargas elétricas revelando-se das nuvens negras. De alguma forma ele imaginou um carro em uma noite escura atropelando um milharal em alta velocidade.
  Deviam haver luzes brilhando na cidade onde estavam sobrevoando. Provavelmente eram quase onze da noite. Lá, onde as luzes brilhavam na escuridão, sem dúvida várias pessoas continuavam descansando em silêncio ou alunos da mesma idade que Erick poderiam estar estudando para provas. Não parecia tão distante, mas era um mundo agora inacessível para ele.
  Erick despencou de joelhos e punhos esmagados.
  — Eu iria açoitá-la até o fim. Iria constrangê-la e num segundo de apogeu rasgaria seu pescoço… finalmente tinha conseguido falar com uma garota frente a frente e…
  Marilyn, ainda sem muito ar, achou aquilo tudo muito estranho e marchou esbarrando com soluços para a passagem na retaguarda, contudo foi contida pelos braços do japonês assim que penetrou o véu. Ele tinha uma gola alta, abotoada de cima para baixo e calças pretas retas.Os dois possuíam praticamente a mesma estatura média.
  Noh estava sentada chorando.
  A comissária buscou suplicar no peito do nipônico, o qual a ponta do cabelo demonstrava estar abatido.
  — Me ajuda, por favor, eu acho que ele quer me matar… — sua voz estava rouquíssima feito em uma tuberculose extrema.
  — Ele não é o único — as vozes cancelaram as súplicas dela.
  Pertenciam a alguns estudantes atrás de Yuma, agora, da mesma forma, manchados de escarlate. Continuavam com os mesmos rostos. Carregavam cordas. Daquelas que comiam e laceravam a cutícula. Cortesia de um secreto fascinado.
  No entanto, uma maioria permaneceu neutra, seguindo o exemplo do suíço, que insistia comendo seus chocolates finos. Porém, por dentro, alguns como o sueco, o qual prosseguia ouvindo música (talvez querendo se acalmar), queriam até mesmo violentá-la ao ponto de coçarem suas calças cinzas.
  O que farão comigo?! Mordeu os caninos.
  — Você fez isso… — a linguagem carente decorria do israelense que parecia ouvir seus pensamentos. Ele apontava para a morta no banco do meio, onde eles a colocaram sentada. — Você sacrificou a garota… e agora quer nos sacrificar… terroristas são iguais em tudo! — a última palavra veio num tremor para ela.
  A pregação motivou a repugnância dos demais, o qual já comiam os punhos e os dentes. Recompensava-o com guinchos. Marilyn sacudia a teste de pânico e permeava os ruídos.
— Eu não sou terrorista! Se fosse, estaria usando um fuzil ou coisa parecida! — apertou-se nos peitos. — Me diga você. Seu povo é o mais próximo de terroristas no momento.
  — Lacradora endiabrada! Como poderia saber? — o judeu rebateu.
  A aeromoça não alcançava mais justificativas, sentia-se pesada e zonza. Não provoque! Não suje!
  Abancou-se em um assento e espalhou as mãos no alto do bom senso. Os estudantes não sentiram piedade e saltaram em cima dela. Yuma abraçou Noh e tampou suas orelhas na confusão.
  A amarraram em um laço complexo, todavia, ajustava-se cabisbaixa. A crina lhe cobria a faceta.
  Erick enfim observou o relógio escondido no pulso. Eram 10:50PM e aparentemente todos travaram ali.
  Ele saiu do cortinado e esbarrou com o ocorrido e a conversa intensa. Todos os muros que existiam entre os tripulantes haviam sido derrubados de uma vez por todas. Agora, todos estavam juntos em pé de igualdade. Os seres se reuniam em panelinhas nas cadeiras e cochichavam.
  "Eu não acredito que isso está acontecendo comigo".
  "O quê que tá havendo?"
  O sueco mencionou que possuía assuntos inadiáveis em "Canaã". O grego corpulento suspirou uma "Desgraça!", entretanto relatou sua esperança de que a aeronave pudesse retomar o voo.
  A portuguesa de repente teve recordações assombrosas da família, do mar, do clima mediterrâneo, dos vinhos, das músicas, das danças e festivais, e do quanto ela não poderia mais ver isso.
  "Meus irmãos… vão pensar que algo terrível aconteceu comigo...".
  Está quase na hora deles dormirem. Quem irá cantar pra eles? Quem vai fazer isso?!
  O australiano de penteado extenso lembrou dos torneios de surfe que venceu mesmo embriagado e que talvez estivesse a salvo se tivesse demorado só mais um pouquinho para entrar na aeronave.
  "Achei esta seria a melhor jornada da minha vida. Era apenas pegar o voo e me mudar. E agora podemos todos morrer!" Logo após saiu desesperado atrás de algo para ingerir no meio da bagunça do carrinho. Bebida. Principalmente bebida. A portuguesa e o espanhol o seguiram na busca.
  A dinamarquesa era a que se queixava com mais veemência:
  "Não há neste avião alguém que tenha qualquer informação?! Ninguém está tentando fazer algo? Apenas um bando de estranhos imprestáveis, imaginou. Se isso acontecesse na Dinamarca, haveria alguém tomando alguma atitude".
  Um dos visores estava quebrado e os cacos desnivelaram da superfície. Alguém ficou com muita raiva, o psicanalista julgou o fato. À vista disso, começou a expor:
  — Eu acredito que essa não seja a melhor solução. Estamos ficando precipitados!
  A mestre de uma das panelinhas, no caso a finlandesa, correspondeu-o:
  — Impostor! Você foi o primeiro a insinuar isso! — havia carmesim no macacão anteriormente alvo.
  — Eu também fiquei precipitado!
  Haim, o iluminado de certa igrejinha, carregava seu livro entre os braços numa tortura, também  o refutou:
  — Vira adulto, não adianta só chorar pelo sangue derramado, vingue sua querida como um bom religioso.
  — Já entendi, vocé é algum tipo de fanático?…
  — Aí é que se engana, na verdade eu iria catequizar “Canaã” com a minha religião inclusiva e justa para todos. Já você, tinha um cargo importante e tinha de ter uma fé para se misturar.
  — Minha fé é em Sigmund Freud e na psicanálise, não em entidades aparentemente inconcebíveis.
  — Uma fé é feita do quanto ela te destina e não de quantos seguidores tem, é o que eu digo.
  — É só um suporte, um socorro, uma defesa emocional.
  Os dois mais pareciam debatedores cuspindo argumentos em um congresso beato.
  — Imagine quantos miseráveis se matariam caso descobrissem que não seriam resgatados ou punidos.
  — Então é isso que significa para você? Uma forma de controlar os mais lerdos numa felicidade fingida?
  — Não, a religião oferece um sistema ético de justiça infinita e igualatória. Você sabe o que é certo e errado porque estava predisposto pela religião antes mesmo de tudo.
  — Eu confesso que tenho uma razão a priori sobre a religião, mas há uma coisa que quase todas pregam. Misericórdia. Essa mulher… talvez nem seja culpada…
  — É o que saberemos quando debatermos. Isto é, se não batermos antes.
  Quando Haim mencionou essa possibilidade todos idealizam e sussurram apreensivos, o avião acertando uma montanha. O interior se enchendo de escombros e fogo. Primeiro a cabina do piloto, depois a dos passageiros de olhos descorando-se, berrantes e roucos. Todos correndo para o banheiro, como se fosse a saída. Pisoteando. Furando, contendo e aquecendo até seus braços borbulhantes despencarem e se amontoarem em uma sanguínea pasta visguenta de raças repugnantes gritando enquanto suas bocas se grudam um no outro.
  Uma bizarrice equivalente a miscigenação.
  Um ruído agudo agonizante ocupou  o encéfalo e tornou a concentração de todos. Taparam seus ouvidos. Era um misto de unhas e crustáceos arranhando um quadro negro.
  Vinha do alemão, raspando um garfo no vidro de um prato que provavelmente rolou até ali na confusão. Encontrava-se com prazer no rosto.
  — Eu sei de uma coisa — o som opaco de novo. Era a voz dele — Um dos motores vai explodir.
  Todo mundo sentiu-se cabreiro do garoto estranho que mal mostrava as vistas prever tal acontecimento. A aparência do estudante dava um ênfase categórico a sua afirmação. Como se o terrorista fosse ele.
  Apenas Alma proferiu meio impetuosa:
  — De que maneira poderia saber sabichão? Acho que já temos proféticos e pessimistas demais aqui.
  — Não acredita? Eu era do curso de manutenção de aeronaves. Sei exatamente como funcionam esses anjinhos. Mas não se preocupem, a maioria das aeronaves consegue voar apenas com um motor.
  Os trinta e um tripulantes vivos se agregaram em um semicírculo em torno do germânico, que acenderá um tabaco usando a caixinha de fósforos que certamente comprou no aeroporto. Ainda bem que amarraram aquela prostituta, agora posso acender meu cigarro em paz. A fumaça que exalava ia os sufocando.
  — Ei! Não pode fumar aqui! — a comissária atada perdeu a noção do perigo.
  Esperava ansiosa um palavrão ou pior, todavia, invés disso, recebeu uma refutação.
  — Estamos na terra da liberdade, e é claro, a pressão atmosférica me causa desconforto.
  Haim abriu seu livro e pela primeira vez concordou com Marilyn.
  — Sabia que o siquismo é uma das crenças que mais condena o fumo?
  Alma falava como se ele fosse salvá-los:
  — Quem liga se condena? Continue falando… é... é… Desculpe, como se chama?
  — Não se desculpe. Meu nome é Richard Graf.

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