CAPÍTULO 26

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Província de Gyeonggi, Coreia do Sul. 1 ano antes
A senhora trouxe umas mesinhas de refeição (bapsang) para a sala, onde existia pendurado um enorme quadro preto e branco de um jovem casal usando trajes tradicionais. A mulher, de face cevada e coque baixo preso por alfinetes, estacionou próxima à Noh e Yuma.
Os dois estavam ajoelhados no chão com as articulações das pernas juntas, os pés posicionados lado a lado abaixo das nádegas e os dedos apontavam para trás. Os calcanhares encontravam-se alinhados e afastados do chão. As mãos, colocadas suavemente sobre as coxas junto dos dedos estendidos, e os polegares alinhados com os dedos indicadores.
Ambos fizeram uma reverência, enquanto o calor do ondol confortava seus tornozelos no piso, cujo a alimentação vinha de um sistema de aquecimento.
As testemunhas receberam duas colheres limpíssimas junto com ums pauzinhos sujeo.
O nipônico, usando um uniforme coreano comum, estava suando, mas repetiu os movimentos da coreana: movendo-se da esquerda posicionou a tigela de arroz, a colher e depois os pauzinhos.
A dona trajava um chima jeogori de mangas curtas que se estendiam até os cotovelos. Além disso, havia um fechamento frontal por laços, apresentando detalhes como bordados, cujo tecido mais escuro simbolizava a castidade pelo falecido marido.
Era a avô de Noh, Ji Yeeun. Aparentava ter uns sessenta anos, porém era bem mais velha. Velha o suficiente para ter presenciado a aterradora segunda guerra. Durante tal evento, serviu de mulher de conforto para militares japoneses. Viveu em um celeiro sujo antes de ser libertada pelos aliados em uma estado deplorável: Lesões, desnutrição e uma enorme úlcera moldando sua genitália de dez anos. Em resposta, Ji traumatizou-se por um assustador nacionalismo anti-japonês, o que a fez entrar no exército da libertação aos 15 anos. Lá, foi apelidada de "Jovem defensora da Coreia" e tornou-se um símbolo cinematográfico de patriotismo.
Apesar de tudo, ela conseguiu manter-se graças a um casamento arranjado, cujo dote fora o bastante para comprar uma acolhedora casa hanok em um povoado longínquo, onde a vida seguia um ritmo mais lento para uma veterana.
Os moradores cultivavam suas próprias safras e criavam animais domésticos. As estradas de terra eram tranquilas, com pouca atividade de veículos, e o silêncio era interrompido apenas pelos sons das incumbências dos moradores. Em resumo, nenhuma dominação japonesa. Nenhum japonês desde 1945, talvez porque a população os abominavam.
Entretanto tudo pareceu mudar quando iniciou-se a implantação de um Internato próximo a região.
Agora, Ji parecia repetir o processo de submissão, contudo impensadamente, pois para esse jantar, Noh teve que mentir sobre a nacionalidade do seu amado.
- Não é certo falar a mesa, mas eu tenho que dizer... - a fala da idosa fez o casal gelar e largar o kimchi - A minha neta tem estado bem mais feliz com você.
O jovem inalou um ar de aliviando.
- Obrigado, saiba que eu tenho as melhores intenções com a sua filha.
Usá-la feito um depósito de seus excrementos é uma delas. Maldito...
Ji indicou, com os olhos condenantes, o garoto levantar a tigela para comer o arroz.
- Disso eu já duvido. Se suas intenções forem iguais aos seus modos.
- Ah! Desculpe - Yuma abaixou a cabeça rapidamente.
Porcaria! Esqueci dessa parte! Pensou Noh. As batidas de seu peito ficaram fortes.
Tum, Tum...
- Não invente justificativas! Está comendo devagar demais. A comida da minha neta é ruim?! - seu tom de voz içou.
- Não, é ótima! - o nipônico acelerou o movimento da colher na tigela.
- Agora está rápido demais! Quer terminar logo?! - o timbre piorou.
TUM, TUM, TUM!
Yuma esforçou-se atormentadamente para encontrar a frequência certa.
- Está fazendo muito barulho com o prato, garoto! - a pele de seu rosto crispado parecia se retrair enquanto ela mexia os lábios de forma estranha.
O rapaz animou-se, de repente aparentou ter encontrado a harmonia com a refeição e a sogra.
As orientais sorriram, uma aliviada e com a mão no peito, a outra, falsa feito um deboche.
- Muito bom... porém esqueceram de uma coisa... - Yuma olhou para o prato dela terrificado. - Você começou antes de mim... a mais velha...
O utensílio na mão do garoto despencou como se estivesse segurando uma pedra.
- E agora você derrub-
Antecipadamente a garota esmurrou com as palmas a carteira, causando um tremor, tanto na mesa, quanto nos presentes.
- Que espécie de trastorno você tem?! Não consegue ficar normal nem em um jantar?! - seu moletom grifado com Love e um emoji a tornava difícil de levar a sério.
A idosa soluçou, antes de se recompor e levantar-se.
- Querida, estou te protegendo dele!
- Ele é a pessoa que eu escolhi para ser meu amor! - indicou - É única pessoa em que senti e sentirei esse vínculo ímpar!
Yuma permanecia uma escultura. Ele e Ji tiveram o coração perfurado por uma agulha, porém por razões diferentes...
- Isso não pode ser amor... - riu vedado - Achou que eu não ia notar?! O jeito como ele come, se senta, suas pálpebras! Conheço essas pálpebras de longe, olharam pra mim por quatro anos - Ela cuspia nos dedos formando quatro - Todos os quatro anos naquele inferno! Pálpebras de um cão em sua presa com uma única coisa em mente! Copular, Noh! É o que os cães querem!
A garota segurou um copo do seu jantar e atirou a água no rosto da avó.
Ela fechou os olhos e deixou o líquido escorrer pelos seus contornos enrugados, feito água da chuva num solo irregular.
- É errado falar coisas sujas durante a refeição... - ironizou Noh. - A guerra foi a mais de sessenta anos. Yuma tem dezesseis, faça as contas...
Ji poliu a face e a destampou. Respirou fundo e gesticulou:
- Noh... Você sempre foi uma kisaeng. É culpa do seu avô... - a senhora levantou os braços ocos para o quadro da sala. - Eu acho que sua mãe nunca lhe contou essa história, mas quando me encontram naquele celeiro, eu tinha abortado uma gravidez sozinha. Bem, não interessa, já que isso foi uma mentira - até o jovem na foto pareceu chorar de surpresa, por não saber se aquilo era verdade ou uma epifania. - Eu não tive coragem, fui fraca e dessa gravidez surgiu a vadia da sua mãe. Não sabe quantas vezes eu tentei matá-la para me tirar o castigo, porém seu avô sempre me impedia. Quando ela completou 55 pensei que o galho doente da nossa árvore genealógica finalmente seria podado. Porém, não, Gumiho fez questão de nos agraciar com uma rara gestação.
A senhora caminhou vagarosamente com os pauzinhos de aço no sentido do japonês que permanecia desconexo procurando palavras.
- Chegou minha vez de falar... - Ele fez uma pausa. - Senhora, não sou como o país que a machucou. Um país não pode se esconder atrás de livros de história e cultura pop. O que meus ancestrais fizeram não tem perdão, mas houve tempo - Ele engasgou com saliva, todavia continuou. - Houve tempo de eu não aceitar isso...!
Antecipadamente a anciã levantou os membros para cima esquecendo todas as limitações e com o pauzinho, furou a coxa do rapaz com seu peso. O garoto esbugalhou o cenho e jogou-se no chão gemendo. Um complexo de sentimentos negativos invadiam sua mente, conforme as palmas tentavam arrancar o objeto que agitava a carne de seus músculos.
Noh enjoou de relança devido a pressão, entretanto lançou-se empurrando a avó para longe, o qual fez sons de velha doente.
Seiva coralina sujou a mesa e a comida.
Ela tentou ajudar o amador a se levantar, contudo estava sofrendo muito para chegar até a saída.
A garota colheu outro pauzinho de bobeira e perseverou carregando o amor. Um amor que agora tinha um toquinho na perna que o fazia gemer de dor.
A ilusão da escapatória os ludibriou da idosa já levantada, exibindo a doméstica arma branca junta de uma cara contente e furiosa. Gotas ainda pingavam da sua pele.
Ela disparou na direção dos dois, berrando feito um kamikaze.
- MORREREMOS JUNTAS!
O objeto afiado adentrou o útero de Noh ferozmente, que esforçou-se para proteger Yuma. Era só um, mas sentiu a agonia de cem enfiados no mesmo lugar.
Ji sorriu de olhos esbugalhados, como se aquele não fosse o resultado que queria, porém no contexto, não se importava mais com quem se machucaria. Havia a possibilidade de Noh ter DNA japonês, ou seja, mais uma sujeira no seu caminho, feito os soldados, feito a filha, feito o garoto abominável!
Eternamente eu arranco o mal!
A boca oval da garota, deu lugar a uma lembrança feliz do pauzinho em sua palma. Mesmo com todo o relevo decaído, conseguiu achar um pedacinho rápido de força para investir o apetrecho na goela da avó.
Ela revirou as janelas na direção da chaga e tremia as mãos de desespero, enquanto tentava falar num idioma inaudível. Feito num engasgo avançado, despencou no solo com uma das mãos no pescoço e a outra como suporte.
O casal aproveitou a situação para abrir a porta deslizante da frente. Um vento frio os recebeu, junto do ar sereno nas lesões do couro. Distanciaram-se do compacto lar de paredes de madeira, papel arroz e telhado curvado. Um tentava suportar o outro ao mesmo tempo que as lanternas coloridas penduradas entre a construção iluminam o quintal vazio. Foram recebidos pela paisagem pacífica e aberta, onde as casas estavam dispersas em meio aos campos verdes e colinas suaves, serpenteada por um panorama campestre deslumbrante, com árvores frondosas e um céu noturno amplo.
Sem esperança de bater as plumas, procuravam algo ou alguém que pudesse ajudá-los. Alguém?! Quando descobrirem irão nos perseguir com tochas.
Deram de cara com um caminhão branco que havia sido estacionado mais cedo próximo da residência.
O Sr. Kim veio deixar os tomates hoje! Obrigada!
Yuma mancou até uma pedra. Agarrou-a e golpeou, com certa lentidão e repetições, a janela do veículo. Quando quebrou-se, os estilhaços tomaram conta do braço do japonês que ligeiramente abriu o portal da liberdade e esfregou o banco.
Já dentro do transporte, Noh arrebentou a trava da ignição e puxou a tampa adesiva do apoio de condução. Fitou alguns fios elétricos amontoados e procurou um maço específico, dentre os circuitos das indicações, dos aparatos e, estendendo a pilha, isolou, os circuitos de ignição, da bateria, e de arranque. O nipônico tentava estancar a sujeira na barriga dela, ao mesmo tempo que observava se a velha saia da residência.
De vez em quando os fios da ignição são castanhos e os da partida dourados, porém os da bateria costumam ser magenta. Se eu tivesse um guia...
Noh colheu um caco de vidro e descascou um pouco dos três cabos. Em seguida, ela juntou os fios da ignição nos da bateria e o rádio ligou, acompanhado de todos os faróis, o que despertou esperança.
Além de esperança, a luz também desnudou o quadro da avó de Noh.
A ensanguentada decrépita movia-se devagar para o jardim. O buraquinho em seu pescoço, evidenciava o pauzinho retirado por suas mãos manchadas. Seguia aleijada, e de braço estendido feito uma múmia na direção da estrada de terra.
Seguia na direção deles, sendo a raiva o principal motor para suas células sangrando.
ME MATEM! MOSTREM SUA VERDADEIRA NATUREZA!
A garota ainda teria que fazer um manuseio grave, a qual responderia se iria sair dali ou morrer eletrocutados. Encostar os cabos descobertos da bateria com o da partida. Ao fazer isso, distanciou bastante o rosto, mas mesmo assim pode sentir a saraivada de fagulhas aquecendo-a.
Empurrou-se para trás balançando os dedos de dor, todavia o que importava era a lucidez de ver Yuma acelerando o caminhão para cima da avó.
Noh gritou tentando impedi-lo:
- QUEBRE A TRAVA!
Era a última vez que ambos olhavam para Ji. Deixando de lembrança, apenas seus olhos pretos que nem mais pareciam os de um humano, mas sim de um morto-vivo ulcerado, e seus lábios escancarando-se para berrar.
Sentiram o abalo após o atropelo, não só pelo freio, mas também pela coreana quebrar a trava do volante e finalmente poderem direcionar o veículo não só para frente.
Não tinham coragem de olhar para trás, existia um senhor que lançou-se de um lar aceso e poderia reconhecê-los. Não sabiam. Despacharam-se chocados e mantiveram-se quietos a viagem inteira até uma cidadezinha remota, mais especificamente até uma enfermaria.

Após isso, em virtude da modesta herança de Yuma, foram capazes de se instalar próximos à mesma enfermaria e mudar o visual (máscaras e bonés pretos).
Nesse meio-tempo, finalmente tiveram a oportunidade de fazer coisas normais de casal, o qual não envolvia matar.
Entretanto, ao ir para o cinema, mesmo sentados a uma cadeira de distância um do outro, ELA estava lá no meio. Iam a um carrossel, ELA lá. Equilibravam-se no telhado de um apartamento, ELA, ELA, ELA. Estavam ficando psicóticos, o que os fez observar um ao outro dormir para ter certeza de que estavam seguros, porém Yuma sempre dormia primeiro, deixando Noh só.

Em uma tarde de primavera, eles pedalavam em uma bicicleta de dois lugares com destino a rotina no PC Bang (Café de jogos). Ao chegar lá, estacionaram a bike e entraram ao som de um sino. Sentaram-se próximos ao computador de sempre, e iniciaram uma partida de LoL. Noh, era mais experiente e foi a primeira. Caiu em uma partida, cujo o nome de um jogador se destacava entre os outros três, que tinham combinações de números e caracteres. 행정 (haengjeong), isto é, administração.
Depois de vencer o jogo e a cutscene ter terminado, um e-mail apareceu nas mensagens do menu de espera.
Logo que acabaram de ler o comunicado, não conseguiram acreditar, não só na oferta, mas também na menção ao assassinato de Ji.
Impossível! Como poderia saber?! Fantasiaram.
No entanto, tudo mudou quando Yuma checou sua conta bancária secreta no mesmo PC.
Seus créditos já eram altos e suas dívidas poucas, porém um depósito recente o chamou atenção. Um depósito suficiente para pagar uma um voo transpacífico.
Ao ver isso, o japonês levantou as mãos de Noh em companhia das suas ao mesmo tempo que a presenteava com um sorriso de fechar os olhos:
- É nossa chance de fugir de tudo! Um lugar longe o suficiente de qualquer justiça! - a coreana apresentava-se surpresa e desviou a vista ofendida.
Ela largou as palmas de Yuma e correu até a entrada. Saiu, fechando a porta sem dar meia-volta.
O oriental ficou o tempo todo sentado com os lábios retraídos de infelicidade assassina, enquanto encarava o reflexo da namorada na vidraça da cafeteria.
Noh sabia que, mesmo após seus beijos carinhosos através de máscaras, jamais nutriria firmeza o suficiente para questionar se Yuma tinha conhecimento sobre o volante travado ou não...

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