Capítulo 53

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DOIS ANOS ANTES

António Silva 


Quando o João foi-se embora no dia seguinte, eu quis partir a minha casa em pedacinhos, talvez conseguisse ver como deixei o coração da Margarida. Nunca iria perceber o quanto a tinha magoado com as minhas palavras. 

"O teu erro vai-se embora" 

Aquilo ficou gravado na minha memória, como mil facas a entrarem no meu corpo ao mesmo tempo, em uma semana perdi o sorriso e toda e qualquer esperança para a ter de volta, fiquei com raiva, fiquei com remorsos, fiquei magoado comigo mesmo, mas acima de tudo tive um erro mental. 

Repetia a discussão que tivemos mil vezes na minha mente e chorava sempre, pois sabia que tinha exagerado, porque sabia que podia ter reagido de outra maneira, mas não, fui insensível no momento em que ela mais precisava de mim. E voltar? Voltar a encara-la era um desafio mental para mim, porque sentia-me envergonhado pelo que fiz e não tive tomates para lutar por ela, por nós. 

Quando soube que ela iria embora comecei a desabafar comigo mesmo para uma folha de papel, aquilo transformou-se no meu refugiu, porque afinal de contas era a ela que recorria quando as coisas estavam más. 

Enviei a primeira carta por correio para a casa dela, porque a dada altura tive que o fazer, não sei porque o fiz tão tarde, mas fiz, acabei por mandar os meus sentimentos a uma fantasma, no final das contas eu sabia que ela voltaria, não sabia era o tempo que iria ficar a remoer por dentro por ter feito o que fiz. 

Um ano se passou e acreditei não estava melhor, dois anos depois tinha a certeza que ela não voltaria e que iria morrer com aquela angustia de não ter ido atrás dela, mas agora era tarde demais. 

Com a última carta na mão acabada de escrever sabia que enviar isto seria o fim de tudo, mas quando tomei a decisão de enviar a última carta como despedida, a campainha tocou, não esperava ninguém, aliás não queria ver ninguém, amanhã iria para o Manchester City e tinha que me dedicar ao máximo. 

Respiro fundo, e tento concentrar-me nos movimentos que fazia, mas sinceramente tinha perdido as esperanças que fosse ela. 

Os movimentos até a porta foram lentos, demasiado intemporais, para serem reais e se querem saber iria desistir e deixar a pessoa em vácuo, mas algo me dizia para contar e abrir a porta, algo não sabia bem era o quê. 

Abro a porta com mil pensamentos na cabeça, mas sem voz diria. 

O tempo frio de setembro, fez-me sentir arrepiado, mas não foi o tempo que ativou os meus músculos e movimentos corporais, foi ela. 

Ela tinha todas as minhas cartas na mão, mas uma em especifico estava molhada de lágrimas, talvez a última, ela aproximou-se lentamente de mim e abraçou-me. O meu último pedido. 

Ela abraçou-me por longos minutos, não os contei, porque eu perdi a noção do tempo, o cheiro a um perfume antigo, roupa mais confortável, o cabelo mais curto, talvez mais claro, mas estava tudo lá. 

O toque era o mesmo, a sensação do primeiro abraço era a mesma, era tal e qual como da primeira vez. Não houve palavras, mas houve alguma coisa, não soube explicar, mas aconteceu ali qualquer coisa. Ela afastou-se primeiro. 

Reparo nela, no dedo do meio da mão esquerda tinha um anel que lhe tinha dado, ela não o tirou? Não perguntei por isso, aliás não disse nada, deveria ter dito, o quê? Pedir desculpa? Dizer que arrependido? Disse-o milhares de vezes nas cartas. Ela reparou na carta que estava em cima da mesa, tentei chegar-lhe primeiro, mas não consegui. 

- Posso? - Ela pergunta e eu quis dizer que não, mas acabei por afirmar e sentar-me já sem forças.  - Posso ler em voz alta? - Afirmo, mas não a ouviria, sabia o que tinha escrito, li aquilo milhares de vezes antes de escrever para um papel definitivo. 

Querida Margarida

Receio ser a minha última palavra para ti, vou-me embora para a Inglaterra e como na última carta já deves saber que já fui, apesar de ter lutado contra o meu monstro eu nunca o derretei. 

Por medo, por raiva, por tristeza, por receio, por não ter forças para o fazer, não quero que a nossa amizade se apague, porque apesar da minha burrice, a nossa amizade e o nosso amor era lindo, e eu amei vive-lo. 

Amei cada ano, cada mês, semana, dia, minuto, cada segundo, cada milésimo de segundo que tive ao teu lado, amei-te e amo por muitos milhares de anos, amarei. 

Lembro-me do nosso inicio e farto-me de rir de como tudo começou e agora choro o fim que podia ter acontecido de outra forma. 

Não quero dizer Adeus porque eu não consegui desapegar-me de uma coisa que foi boa para mim, não o consigo fazer por muito que tente, ir atrás de ti e pedir, não, implorar para regressar a tua vida é o meu monstro e eu não consigo fazer, porque quando olhar para ti vou chorar, e agir como uma criança que caiu, eu odeio-me por ter-te magoado, odeio ter perdido 2 anos de vida da nossa filha e da nossa história. 

Não espero perdão, não espero isso porque eu sei que não o farás, só quero que saibas que arrependo-me por tudo e arrependo-me por ter sido egoísta. 

Quando leres estas cartas estarei na Inglaterra, ou a ir para lá, por isso vou cumprir o meu papel como pai como tenho feito, mas acredita que sempre que o fizer vou sentir-me o pior homem, porque não fiz a primeira coisa que deveria fazer como namorado, apoiar-te. 

Até logo Magui 

Do António "

Não a senti a aproximar-se, por isso quando olhei para ela não sabia que estaria tão perto. 

- Também escrevi o que sentia em notas! - diz. - Mas não tive coragem para mandar ou escrever num papel. - admite. - Eu fugi, admito, é verdade, não queria estar aqui, muito menos acreditar que podia cruzar-me contigo, tive de o fazer, mas odiei-me por não ter lutado, por não ter dito mais nada, afinal de contas seríamos pais, e ambos agimos como dois idiotas. - Abaixo a cabeça, ela levanta o meu rosto e faz-me olhar para ela. - Eu amo-te, e quero continuar a amar-te, eu amo-te! - Repete. 

- Eu amo-te! - Digo baixo e sinto os lábios dela baterem nos meus com força e com demasiada intenção. Ela toca no meu corpo e eu seguro-a contra o meu. 

- Não fujas mais de mim! 

- Só se vieres comigo para Manchester. 

- Vou contigo até ao fim do mundo, mas por favor, implora-me para ficar. - Implora e eu olho para ela. 

- Não estás... - Ela beija-me. 

- Implora-me para ficar... - Sussurra como se precisava-se da minha palavra para sobreviver.

- Imploro-te fica comigo para sempre! Casa comigo Margarida. - Ela andou para trás e abre um sorriso. 

- O quê?

- Casa comigo Margarida, por favor, eu imploro! - Ela sorriu. 

- Estás a falar a sério?

- Achas que iria brincar? 

- Sim... - Eu comecei a chorar. 



Erro No Sistema (João Neves E António Silva) Onde histórias criam vida. Descubra agora