Dancing In The Dark

183 20 4
                                    

"Queridos Tom e Bill

Sinto que meu coração congelou. Não consigo sentir mais nada. Além da dor e vazio incomensurável. 

Seis meses se passaram, 180 dias desde que Taylor entrou naquele escritório e arrancou o que restava do meu coração quando confirmou que eram vocês naquela casa.

Estou quebrada.

Quebrada em milhares de pequenos e quase invisíveis cacos. 

Chega a ser engraçado pensar que coisas como livros ou música ou filmes bobos pudessem me animar outrora. Porém, desde que se foram, nunca mais consegui entrar na biblioteca, no meu escritório fui apenas nos primeiros dias, depois peguei tudo o que achava precisar e me tranquei em nosso quarto. 

Lápis. Papel. Caneta.

E então dei inicio a escrita das centenas de cartas que você nunca irão ler, mas que de certa forma, me permitem conversar com alguém. E vocês são as pessoas que eu mais queria conversar. Eram as pessoas que eu mais queria conversar.  As vezes esqueço que vocês... não estão mais aqui. 

Quando era criança, aos dez anos, comecei a escrever em um diário. Eu era sozinha, minha mãe vivia bêbada e meu padrasto envolvido com seu... trabalho peculiar. Então, em uma das vezes em que a fome quase me levou para o além, encontrei um caderno preso por um cadeado no lixo da mulher mais chata do quarteirão. Tinha uma pelúcia colorida, com várias páginas com folhas rosadas e pontilhadas. Sempre tive sorte de encontrar muitas coisas no lixo, livros, calçados, mas esse caderno foi a minha preferida. De inicio, escrevia somente uma vida enfeitada, como eu queria que fosse. 

"Minha mãe me ama"
"Meu padrasto é muito legal"
"Minha vida é ótima"

Escrevia tanto isso, que achava que em algum momento isso iria se realizar. Mas, como a minha é vassala aos meus desejos, foi tudo ao contrário. Vocês sabem o que acontecia, não preciso narrar aqui. Então, comecei apenas a escrever, sem fantasiar ou pensar demais, apenas deixei as palavras assumirem o comando. O mesmo que aconteceu quando comecei essas cartas. 

As palavras simplesmente fluíram. 

Toda a dor, toda o horror que a culpa está me transformando, toda a solidão e saudade que a ausência de vocês me traz... escrever me permite que eu, de certo modo, continue aqui. Continue... existindo! 

 Aquele diário foi meu melhor amigo durante muito tempo. Escrevia as maiores aleatoriedades possíveis para uma criança de dez anos. Nessa idade, eu desejava ser policial, não queria casar em hipótese alguma, muito menos ter filhos. Aos onze anos, já queria ser bióloga marinha, enfermeira e então professora. Dissertava sobre como daria minhas aulas, as coisas que gostaria de aprender e então... Jack encontrou o diário e o queimou na minha frente. 

Sonhos, desejos, futuro, de uma criança se perderam entre as chamas e tornaram-se cinzas. Como eu estou agora! Mas lá, com toda aquela inocência e um desejo abrasador de ser amada, eu não entendia o quanto aquilo me marcou. Aprendi a guardar as coisas para mim! A esconder tão bem um segredo, até isso quase me matar. Foi assim com os garotos perdidos, com os abusos, com a lista, com meus sentimentos por vocês.

Quando os vi, na casa do tio Liam, uma brasa chamuscou em meu peito. Sonhei com vocês naquela noite. Com a intensidade que me olharam e na forma como seus olhos cerraram-se quando me analisaram de cima a baixo. Poucas vezes na vida senti vontade de me dar prazer, não contando as vezes que me pediam para fazer. Mas, naquela noite, enquanto me remexia de um lado para o outro, enquanto seus olhos escuros invadiram meus sonhos, meus dedos acalentaram-se e me acalmaram. Quando vocês me tocaram foi exatamente como eu imaginava que seria. Mas, aquela não foi a primeira vez que me deram prazer, e sim quando me toquei para acalmar a forma como me fizeram sentir.

Então, veio aquele acordo desaforado e inusitado. "Seja nossa e de mais ninguém". Naquele momento, enquanto os encarava incrédula naquele restaurante chique, pensava se estava mesmo escutando aquilo. Não sabia o que significava, no sentido literal da palavra, ser de alguém. Nunca fui de alguém, nunca tinha sido de alguém. Contudo, aquelas duas palavrinhas reverberaram em minha mente durante dias. "Seja nossa!" Eu... eu queria isso. Queria tanto, que quando estavam pertos até respirar era difícil. Não que tenha mudado muito depois que ficamos juntos. Porque a proximidade de vocês deixava o ar rarefeito, que eu chegava a ficar tonta. E mesmo quando estamos juntos para valer, ainda assim eu precisava lembrar de respirar e fazer qualquer outra coisa, que não fosse olhar parar vocês. Contudo, naquela época, eu fiquei com medo! Apesar de já ter tido alguns momentos lá e acolá, nunca havia "sido de ninguém", muito menos recebi uma proposta como aquela. O medo me travou para aceitá-los. Mas agora, o medo me trava para aceitar que vocês... se foram. 

Estou esquecendo a sensação do calor de vocês em mim. Me desculpem por isso. 

Me desculpem.
Me desculpem. 
Me desculpem! 

Não estou mais aguentando.

Tentei não falar sobre o buraco em meu peito, tentei não dizer que a dor está me consumindo, que não consigo comer e beber nada há três dias. Não sinto fome, não sinto sede, não sinto nada. Estou vazia por dentro. Por fora. Estou apenas existindo, em um mundo onde vocês não estão mais. Onde nosso bebê não está mais aqui. Onde me sinto tão sozinha, que não consigo enxergar, não consigo ouvir, não consigo fazer nada além de ficar submersa nesse lago, de me afogar e sufocar mais e mais. 

Me desculpem.
Me desculpem. 
Me desculpem.
Me desculpem. 
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.
Me desculpem.

Nada antes de vocês se compara ao durante vocês. Esperava que não tivesse um depois de vocês, mas existe, e eu estou presa nele. 

Saudade que me maltrata!

Sempre de vocês!

B." 

______________________________________________________________________________

Última frase é referência ao livro Uma Segunda Chance, da Colleen Hoover. Recomendo demais esse livro! 

Nome do capítulo é uma música do Tokio Hotel <3 

Beijos.

S.

Criminous Paradise | TOM E BILL KAULITZOnde histórias criam vida. Descubra agora