Capítulo 1

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O despertador tocou pela quinta vez, e, enquanto eu me levantava, fiz uma nota mental sobre não frequentar bares em dias de semana. Segui para o banheiro a fim de tomar uma ducha rápida esperando que ela tivesse sobre mim o mesmo efeito que o espinafre tinha sobre o Popeye.

O happy hour da noite passada foi imperdível, disse a mim mesma, um tributo a Nina Simone.

A quem eu queria enganar? Eu disse o mesmo quando a homenageada da noite anterior era Amy Winehouse. Suspirei consternada, não havia muito o que fazer! Ao que parecia, eu era uma boêmia incorrigível.

Caminhei para a cozinha preguiçosamente e, enquanto comia meu cereal a vagarosas colheradas, fitei meu loft resignada com o completo caos. O lugar parecia ter recebido a ilustre visita de um furacão. Havia roupas espalhadas pelo sofá, a pia abrigava incontáveis louças sujas e algumas garrafas de cerveja esquecidas sobre a mesa faziam companhia a caixas de comida vazias. E, por fim, a cama estava sem .

Dei de ombros colocando a tigela no único espaço ainda visível sobre a pia. A procrastinação ainda iria me matar, constatei com um suspiro. No entanto, eu não tinha tempo a perder, a loja não iria se abrir sozinha.

Corri em direção ao armário à procura do que vestir. Deslizei um vestido preto de bolinhas brancas pela cabeça, calcei minhas botas e peguei minha bolsa de couro, a bagunça seria um problema a ser resolvido em outro momento.

Caminhei apressadamente pela rua lotada de pessoas que se dividiam entre moradores locais; e em sua maioria, turistas ansiosos por conhecer mais da agitada New Orleans. Observei as varandinhas em metal forjado, as lojas, hotéis, bares e restaurantes que já funcionavam a todo vapor àquela hora da manhã no French Quarter.

Avistei Dylan sentado em um banco e me aproximei do meu velho amigo. Ele era um senhor com seus quase cinquenta anos. Sua pele era negra como a minha e seus cabelos crespos como os meus, porém brancos e curtos. Dylan ganhava a vida tocando saxofone para turistas, assim como vários artistas de rua da cidade. Era talentoso, alto-astral, além de excelente conselheiro.

— Bom dia, Esther! — ele me cumprimentou alegre.

— Bom dia — retribuí bem-humorada. — Alguma frase inspiradora para esta manhã?

Dylan era uma espécie de biscoito da sorte ambulante.

— A vida reserva surpresas de onde a gente menos espera — respondeu de modo enigmático enquanto se levantava do banco em que estava sentado para dar início a mais um dia de trabalho.

Esperei que ele se misturasse à multidão à procura do melhor lugar para começar seu show e segui em direção a The Drum's. Eu possuía uma modesta loja de instrumentos musicais e discos de vinil em uma rua próxima a Jackson Square, uma praça movimentada que, além de músicos, reunia mágicos, videntes, mímicos, entre outros artistas, para a alegria dos turistas.

Meu pequeno negócio era o suficiente para a minha sobrevivência, não almejava muito e, além do mais, era só eu por minha conta e risco, então estava de bom tamanho.

Acendi as luzes, liguei o notebook em cima do balcão e depois abaixei a agulha do meu toca-discos conectado de forma genial às pequenas, porém potentes, caixas de som no volume máximo fazendo com que o som incomparável de Louis Armstrong preenchesse o ambiente. Então comecei a me mover alegremente ao ritmo da canção. Em meio à minha coreografia autoral, senti que estava sendo observada.



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