Capítulo 35 - Juno

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Ela havia passado os últimos dias entre os cavalos de Paollo e os baús de sua mãe. Muitos lenços e véus, joias, cintos, sandálias... Tudo o que nunca deu muita atenção parecia agora lhe transportar para um tempo distante, onde era plenamente feliz. Vestidos delicados, de tecidos simples sem muitos adornos que desejou usar, mas como Prímula logo lembrou, a grande maioria era pequena demais para ela. Apenas alguns poucos poderiam ser ajustados a seu tamanho.

As memorias infantis são engraçadas. Sempre recordara da mãe como uma mulher muito bonita, com olhos de cores divergentes, alta e magra. Tiberiuns e Apolônia sempre as acharam semelhantes e ainda que seus traços não tivessem permanecido muito tempo em sua mente, às vezes se pegava diante do espelho procurando um algo que lhe desse um lampejo de memória.

Guardava pequenas lembranças que encontrou no quarto após sua morte. Coisas deixadas para traz pelos carregadores que levaram seus pertences ao terceiro andar. Um velho mapa do reinado repleto de anotações, alguns tortos grampos de cabelo, nada mais do que isto. E hoje ela tinha finalmente estes baús, repletos de memorias da mãe que tanto sentia falta.

- O que é isto senhorita? – Disse apontando para o que parecia um velho livro de capa azul, surrado e puído.

- Um tipo de livro de notas. Lembro-me de minha mãe escrevendo nele algumas noites.

- Um diário?

- Não creio. – respondeu foleado no livro de capa azul clara. – Parece mais um acompanhamento do progresso em seu jardim, receitas de guetos e infusões para algumas doenças, orações e coisas assim. – Disse enquanto seus dedos passeavam pela caligrafia bem desenhada, sentindo um enorme carinho.

Os vestidos que poderiam foram ajustados, véus já estavam arrumados em gavetas e as joias em uma arca sobre a cômoda. Ela gostaria de ter sua mãe próxima neste momento, então se cercou de tudo o que lhe remetia de alguma forma sua lembrança.

A casa estava em polvorosa naquela manha, com a chegada do senhor Titus. Elisa insistira que deveria usar o colar de ametistas que Tiberiuns havia lhe dado e o vestido dourado que segundo ela lhe valorizava muito, mais que Juno considerava no mínimo vulgar.

Por mais que desejasse ir vestida de linho cru ou com uma armadura, achou pouco prudente desafiar o pai desta forma. Prímula conseguiu arrumar pra ela um dos vestidos da mãe. Diferente da seda que as mulheres tanto apreciavam, este era de algodão simples e um verde intenso, que o tempo parecia não ter esmaecido. Grosas alças torcidas sobre fitas de cetim vede claras que corriam por todo o vestido em cortes diagonais em seu único adereço. Tinha um decote alto e pequenas fendas que mal lhe expunham os tornozelos. A cinturado e solto a altura do quadril, mostrando o mínimo de seu corpo ou formas sem ser deselegante.

Prímula arrumou seu cabelo em duas trança embutida que lhe subiam da nuca as têmporas, se cruzando no alto da cabeça formando uma tiara de fios negros, presos com grampos discretos de cobre polido. Colou o anel com o brasão de sua família e saiu do quarto carregando um véu opaco creme. Pareceu a melhor combinação entre arrumação e discrição.

- Conheço este vestido. – A voz de Giovannia irrompeu pelo corredor assim que ela saiu de seu quarto. – Sua mãe gostava de coisas simples, que pareciam lhe favorecer sempre, mas não acha que esta um tanto simples demais para um dia em que temos a casa repleta de convidados?

- Não tenho motivos para parecer atraente se nem ao menos desejo ser vendida, ainda mais a um minotauro que nem conheço.

- Filha, sabe que seu pai sempre fara o que for melhor pra você não sabe? Acha que ele a mandaria embora com um mestre que não a valorizas-se? – Disse acariciando a face da moça. – Ele vai notar que esta propositalmente se depreciando. Vamos colocar um pouco mais de cor neste belo rosto e brilho em você. – Disse sorrindo enquanto guiava a jovem de volta a seu quarto.

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