Capítulo 41 - Aldebaran

18 1 0
                                    

O casebre era pequeno e mal iluminado, um odor ocre invadiam suas narinas assim que abriu a surrada porta de ripas de madeira que mal se sustentava em dobradiças enferrujadas.

- Quem está ai? - Gritou a voz gutural envelhecida e cansada, se aproximando em passos fortes. - Vá embora antes que eu abra sua cabeça miserável com meu machado!

- Esperava melhor recepção Adriano.

- Senhor senador? Perdão, não sabia que era o senhor.

- Havia deixado ordens para que os escravos da casa cuidassem deste lugar. - Comentou olhando em volta reprovando o estado deplorável do espaço.

- Bobagens, meninas medrosas e humanos frouxos, mal conseguem trazer uma refeição sem que o mau cheiro do medo inunde minhas ventas.

- Seria mais pratico que ficasse num dos cômodos da casa grande, não tem cabimento continuar aqui sozinho.

- Não tem cabimento ser um estorvo lá. - Falou afastando pratos sujos, empilhados sobre uma das poucas cadeiras de aparência firme. - Me deixe aqui em meu canto e tudo fica bem.

- Um garoto dos Florêncio me pediu a colocação de mestre de armas.

- O senhor já tem um mestre de armas! - Respondeu de erguendo de pronto.

- Está foi minha resposta. Ainda assim o aceitei como seu auxiliar. - Falou torcendo o nariz antes de finalmente sentar. - Parece que chegou a pouco da academia, vamos ver do que ele e feito.

- O que raios irei fazer com um dos últimos filhos de uma casa que se acha nobre, mesmo mal tendo onde cair morta? Duvido que ele tenha alguma experiência em combate ou já tenha aberto alguma cabeça entre seus dedos... - Resmungou irritado, enquanto procurava copos limpos entre o emaranhado de louça suja e restos de comida. - No tempo do senhor senador Octávius estes malditos não se atreveria a tanto.

- Deve saber que não vivemos mais no tempo do meu pai.

- Sim senhor senador, perdão por minhas palavras.

- Sente falta dele não é mesmo? - Perguntou olhando as costas gigantescas do velho.

Adriano colocou sobre a mesa um pequeno barriu encardido e dois copos de madeira aos quais julgou aceitáveis após um breve farejar.

- Todo dia. Era um bom... Um bom general, um bom minotauro e um bom... chefe.

- Tenho de concordar que era um excelente general. Porém foi um péssimo pai, um péssimo mestre a seus escravos, um pesadelo para suas concubinas e um senador cruel. - Virando um copo que desceu ardendo, mesmo em sua boca experiente. - Então me perdoe se não compartilho de sua saudade.

- Imagino que o senhor senador não veio aqui para discutir sobre suas decisões ou me por a par delas. - Disse o velho mestre, virando uma dose ainda maior, sem o menor sinal de desconforto.

- Não. Você sente falta de meu pai, ainda que não imagine o motivo disto, já eu sinto a de meus irmãos.

Costantinus em especial anda povoando minha mente ao longo destes últimos dias. - Prosseguiu posando o copo sobre a mesa. - Recebi uma proposta formal por Juno.

- Não imagino o porquê ainda não a vender. - Resmungou fingindo indiferença. - Na idade dela muitas de suas irmãs já haviam colocado meninos para treinar na arena e aprender a serem filhos de Tapista.

- Sabe de minha promessa.

- Quem é o minotauro corajoso a tentar domar a pequena Juno?

- Tiberiuns. - Respondeu entre uma golada e outra.

- Finalmente se acertaram?! - Brincou servindo mais uma dose.

- A proposta foi para mim, não pra ela. Tão descabido que chega a ser além do conveniente.

- Tanto ouro assim?

- Uma quantia muito significativa, mas me ofereceu muito mais do que dinheiro. Ele entregou sua vida aos meus pés.

- Senhor senador lamento discordar, mas duvido que ele poderia ter feito isto.

- Me chamando de mentiroso depois de alguns tragos? - Brincou tomando mais copo.

- Não senhor senador, não de mentiroso, de desatento. Como ele pode dar o que não e dele? - Diante do silencio do senador ele se recostou na cadeira que gemeu ao seu peso e continuou seu raciocínio. - A vida daquele garoto é a pequena Juno. Tem sido assim a mais tempo do que me lembro, então se ele colocou "sua vida" aos pés do senhor em troca da menina, acho que não está fazendo nada de novo.

______

- Senhor senador! Depressa eles vão se matar! - Gritou uma de suas mulheres correndo ao seu encontro assim que cruzou a porta de casa.

- O que diabos está acontecendo? - Perguntou com a cabeça latejando de água ardente.

- O senhor Kaius... O irmão vai mata-lo!

No chão, duas massas se socavam de forma indistinta, pelos negros e cinzentos se embolavam em uma disputa violenta enquanto uma enorme plateia assistia, soldados impassíveis e mulheres assustadas acompanhavam o que parecia uma disputa entre irmãos. Juno encostada numa das paredes, parecia consolar sua dama que chorava assustada.

- Tiberiuns! Kaius!

- Aqui tio. - Falou o jovem recostado em uma coluna calmamente a poucos metros do caos a sua frente. - Aceita uma maça? - Brincou erguendo uma fruta mordida em direção ao tio e recebendo um olhar fulminante da prima.

- Deixe de galhofa e ajude a separar estes dois! - Esbravejou sem o menor sinal de diversão.

- Até que não foi mal ver outra pessoa perdendo a cabeça. - Brincou antes de lançar a fruta a Criscos e ajudar a segurar Barã.

- Acabem com isto já! Antes que eu mesmo arranque o couro imprestável dos dois e costure um novo par de botas.

Soldados corpulentos que até então estavam observando o tumulto sem se atrever a intervir finalmente separaram os irmãos.

- O que esta acontecendo aqui! Saiu de minha casa por algumas horas e quando retorno encontro guerra entre meu sangue! - Esbravejou furioso. - Quem dos dois vai me dizer como isto começou?

Os dois se mantiveram silenciosos, se encarando com pouca amizade. Respirações pesadas, rostos feridos e cortes ensanguentados.

- Não estou esperando o silencio de vocês ou pretendem que eu passe pelo dissabor de interpelar os escravos e servos para me por a par do motivo desta desavença?

- Minhas apologias tio. Kaius falou uma bobagem e perdi a cabeça. - Disse Barã rompendo o silencio após alguns instantes.

- Deve ter sido uma bobagem e tanto para ter perdido a cabeça deste modo.

- Já está esquecido.

- Longe disto, os dois em meu escritório agora!

----

- Kaius não sei onde estou com a cabeça que não lhe arranco o couro! Mais de uma vez já troquei as damas de minha filha devido a suas graças e quando finalmente uma menina resiste a suas investidas você gera toda esta comoção?!

- Ofereci algumas poucas moedas para a garota, que mal há nisto?

- Deixe-me facilitar as coisas. Se você tiver mais uma investida destas, seu pai terá de se contentar com netos vindos de seus irmãos. Fui claro? - Palavras ditas com muita calma deixaram Kaius sem palavras. - Saia da minha frente.

- Barã - Chamou o sobrinho que já se dirigia a saída. - Por mais que agradeça sua atenção para com minha escrava, prefiro que não saia rolando pelo chão com seu irmão no futuro.

- Sim senhor.

- Há mais alguma coisa queira me dizer? – Perguntou estreitando os olhos para o garoto que não o encarou se limitou a menear a cabeça em negativa e se retirou apresado após uma reverencia breve, deixando o tio intrigado.


Corações tauricosOnde histórias criam vida. Descubra agora