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Ruelle - Dead of night

Não sei o que esperar

Minha mente está correndo, mal posso sentir minha respiração

Como um sonho, não consigo escapar

Eu quero correr, mas ainda estou aqui quando eu acordo

Kristen Morone Grey

Michigan, Detroit, 26 de Agosto 2007

Eu devia ter morrido.

É o que penso enquanto olho para a assistente social, sentada na poltrona. Próximo da janela, seu olhos dançavam de mim para um caderno de anotações, ela sempre está com o caderno.

Seu nome era Shantal. Ela era alta e a pele tinha cor de ébano. Shantal não gostava de ficar muito tempo parada, então às vezes ela levantava e ia até a janela. Foi ela quem me contou que fiquei alguns dias sedada depois do acidente na minha casa.

Eu ignoro Shantal e sigo encarando o papel e os lápis de cor que insistentemente ela deixa sobre minha bandeja de apoio, mesmo sabendo que não vou usar.

Quando os bombeiros chegaram, a casa já estava tomada pelo fogo. Nas palavras de Shantal: foi um milagre eu ter sobrevivido. Bom, não para mim. Os bombeiros entraram pelo andar de cima, e quando chegaram a escada, eu fui a primeira coisa que viram e resgataram. Me levaram para fora, e quando voltaram para pegar meus pais era tarde de mais a casa já estava tomada pelo fogo.

Eu não sei quanto tempo exatamente tem desde que tudo aconteceu. Fiquei sedada um tempo, e quando eu acordei tive crises de pânico terríveis. Então passei alguns dias entre acordar, crise de pânico, ser sedada e então acordava, crise de pânico e era sedada. A enfermeira Anna que está sempre por aqui me contou que agora estou tomando calmantes.

Eles tem me deixado com a sessão de tranquilidade um tanto aterradora. A ausência de sedativos me deixa alerta, então não consigo dormir, os calmantes me fazem dormir, e passo a noite em uma nuvem espessa de detalhes. Minha memória viaja de forma tranquila pelos detalhes que sumiram durante o pânico.

Os rostos. As roupas que usavam. Os olhos afoitos, como se tudo fosse comum demais para ser tratado como algo especial.

E ele, sr. Trent. De camisa social, sapatos lustrosos e relógio brilhante. Os olhos sádicos e divertidos. As suas mãos em mim são a pior parte do cenário. Meu pai, implorando pela minha mãe, por mim. Minha mãe, grávida, e há um detalhe que me deixa angustiada, o sangue escorrendo entre suas pernas.

Quando cheguei ela já estava perdendo meu irmão. Se pela surra ou pelo estupro eu não consigo racionalizar a siatuação.

Eu devia ter morrido.

Pressiono as mãos juntas quando elas começam a tremer de novo, o efeito do calmante deve estar acabando. Quando isso acontece, minhas mãos ficam trêmulas, é involuntário, mesmo que eu tente controlar.

— Olá! — a voz grossa do médico invadiu o quarto.

Não me dou o trabalho de olhá-lo. Daniel vem todos os dias em horários distintos me avaliar. Sempre sorrindo com os dentes da frente um tanto separados, o cabelo manchado de branco bagunçado e o rosto cansado.

— Como você está se sentindo hoje? — pergunta chegando perto da cama.

Não respondo.

Na verdade, não tenho falado.

DESEJO ASSASSINOOnde histórias criam vida. Descubra agora