Finalmente chegou o tão esperado dia. Fui dormir cedo na noite anterior, e quando acordei, ainda não era dia e estava chovendo forte. "Que maravilha!" pensei, querendo me animar. Logo eu estaria longe dali e não teria mais que fingir pra ninguém.
Arrumei minhas coisas na mochila e vesti uma calça caqui e blusa de seda branca. Olhei-me no espelho. Era como se eu tivesse envelhecido uns dez anos ou mais. As mechas do meu cabelo estavam escurecendo, precisando de um retoque. Mas isso não era coisa para eu me preocupar agora. Mesmo com o dia longe de amanhecer, eu tinha que olhar pra ver se todos estavam dormindo. O quarto de Lana foi o primeiro que eu olhei. Ela estava dormindo de costas para a porta; e, num canto bem iluminado, estava o vestido de casamento. Aquilo me deu um aperto no peito tão grande que tive de virar o rosto para não contempla-lo. Luz e Robert foram os próximos, dormiam tanto quanto Lana. Talvez nem imaginassem que eu desconfiasse de algo. É verdade que Luz era bem desconfiada, porém depois de algum tempo, ela achou que eu também estava hipnotizada. Mas não, Luz, eu não estou e nem pretendo. Se em Kim tivesse um concurso de melhor atriz, sinceramente, eu teria vencido. Nunca tive de fingir tanto na vida!
Por último, fui ao quarto de Igor. Ele não estava dormindo muito bem e eu percebi que ele murmurava algo enquanto dormia. Cheguei mais perto e ouvi apenas palavras soltas:
- Cuidado... Samantha... Katrina... Medo... Luz... Profecia... Amor...
Passei a mão no cabelo dele, que despertou suado e meio atormentado. Olhou pra mim por alguns instantes no escuro até distinguir minhas feições.
- Sam? - perguntou, passando os dedos no meu rosto. - O que faz aqui?
- Fui beber um copo d'agua na cozinha e ouvi você falando enquanto dormia. Vim conferir se estava tudo bem.
Eu tentei usar minha voz mais fria, entretanto, o amor que eu sentia foi mais forte. Não é culpa dele, a culpa é de Luz que o está deixando assim. E eu não posso fazer nada, pois o pergaminho nem uma vez mencionou o nome dele, que ainda continuava com a mão no meu rosto. Peguei-a e delicadamente coloquei algo entre os seus dedos. Ele abriu a mão com cuidado e viu o que era: a flor de cerejeira que ele havia deixado no meu quarto três dias atrás.
- Ela é sua Sam! - disse ele, devolvendo-me, mas o detive.
- Não. Você vai casar com Lana amanhã. Não deveria nem estar conversando comigo no seu quarto completamente às escuras.
- Bom, mas eu não a arrastei da sua cama para a minha não é? - disse ele, irônico, e isso me fez sorrir. O velho Igor não está morto, apenas adormecido.
- Sei disso, respondi me levantando. Já estou indo.
Mas ele me puxou e me fez sentar na cama, quase me derrubando. Tentei protestar, alegando que ele ia se casar, a noiva estava no quarto ao lado e ele não podia e nem devia ficar conversando comigo ali. Depois de uma pausa na qual eu fiquei escutando a chuva bater sem piedade no teto, ele disse:
- Sam, eu sei que você vai embora daqui a pouco e que vai saber a verdade toda e que você vai lutar ao lado de Katrina pelo trono de Kim, assim como eu. Mas escuta, eu tenho que te pedir desculpas por tudo o que eu fiz durante esses dias!
Meu espanto foi tremendo. Ele não estava hipnotizado! Aquilo me deu alívio e raiva ao mesmo tempo. Mas não tive tempo pra raciocinar direito. Por que eu estava bem próxima do rosto do garoto que eu estava apaixonada fazia um bom tempo, e que quase havia ouvido da boca dele que gostava de mim. Ele continuou:
- Eu só estava fingindo, Sam. Desculpe.
E foi se aproximando de mim. Devagar. Sem pressa. Lentamente. Um roçar de lábios. Depois um beijo verdadeiro, daqueles que faz a gente esquecer tudo ao nosso redor. Ele me puxava pra junto dele, como se a qualquer momento fosse fugir. Mas eu não fiz isso, é claro. Não tenho a menor ideia de quanto tempo durou...
- Sam...
Quando abri os olhos, eu estava deitada na minha cama, abraçada ao travesseiro. "Foi só um sonho", pensei, me esforçando para não explodir de raiva. Mas lá fora chovia grosso, e após o banho, ao abrir o armário, tirei uma calça cáqui e blusa de manga comprida de seda branca. O céu começava a clarear, então tirei o mapa da mochila que havia preparado na véspera e olhei bem. Era uma estrada de terra, muito cheia de curvas e eu teria de entrar na primeira trilha à esquerda.
Peguei a mochila, e pé ante pé (eu estava descalça, tirei as botas para não fazer barulho) fui descendo a escada. A porta estava apenas encostada, sinal de que a barreira mágica já tinha sido removida e que a rainha estava a caminho. A chuva grossa logo me ensopou inteira, mas eu segui firme. Sabia que, se alguém me pegasse, eu seria morta ali mesmo. Corri para a estrada, e pela última vez olhei para a casa de Luz, pensando em nunca mais voltar ali. Sim. Já que Igor ia se casar, eu não fazia mais parte da vida dele.
Corri uns dez minutos, até que ouvi os cascos de cavalo bem próximos dali. Entrei para a mata bem em tempo, pois alguns segundos depois, uma carruagem negra com detalhes dourados passou atrelada por quatro cavalos escuros. Dois homens iam à frente, e mais atrás, vinha outra carruagem, só que agora ela era azul e preta. Logo que o barulho desapareceu, voltei à estrada e corri novamente, até ver um caminho à minha direita. "Bom," pensei "ainda não é esse.".
O dia foi clareando e a chuva continuava intensa. Ao longe vi um caminho a esquerda. Suspirei de alívio. Minha bolsa estava pesando uma tonelada. Mas antes de entrar na trilha, ouvi mais barulhos de cascos, dessa vez vinham da direção casa de Luz. Puxei do bolso a ampola e bebi o resto da porção, que não era pouca.
Minha força agora estava muito maior, e eu comecei a correr mais rápido; entretanto, os cavalos estavam se aproximando cada vez mais. Eu estava correndo pela floresta fechada, e apesar de o dia já está claro, tudo ali era frio e escuro. A mochila, a roupa e o frio não colaboravam. A chuva deu uma trégua, mas eu não estava mais me importando muito, eu queria era chegar logo. Mas tropecei numa raiz que não havia visto. E um arrepio subiu o meu corpo.
Eu já tinha visto isso antes.
Pares e mais pares de olhos amarelados, depois focinhos, e alguns segundos depois os linces já estavam me rodeando. Um deles me ajudou a levantar e fez sinal para que eu o seguisse. Corremos na floresta e começamos a subir um morro escorregadio. Eu podia ouvir o relinchar dos cavalos lá embaixo, e os gritos dos cavaleiros. O lince me indicou uma árvore coberta por uma cortina de folhas e galhos. Ao levantar, vi uma escada que descia para o subterrâneo. Fiquei ali no escuro e fiquei impressionada quando atrás de mim entrou não um lince, mas um jovem de cabelos negros e olhos amarelados. Ele sorriu e disse:
- Não precisa ficar com medo. Meu nome é Alan, e eu sirvo a verdadeira herdeira de Kim, Katrina.
- Onde estamos? - perguntei, já sem o menor receio.
- No corredor subterrâneo que nos levará até a casa de minha mãe. Venha, vamos.
Segui-o, e saímos em um buraco que mais parecia uma toca de coelho bem escondida pelo capim alto. A visão ali era incrível. Era uma bela casa, ampla, cheia de jardins, árvores frutíferas, e um caminho de pedra que ia até os fundos da casa.
Uma mulher alta, de cabelos loiros claríssimos, olhos azuis- claro e pele muito branca, nos recebeu na porta. Meus lábios estavam roxos de frio, e a chuva, que havia dado uma trégua, recomeçara, agora mais forte que antes. Ao contrário do que fez Luz, ela me chamou pelo meu segundo nome:
- Samantha, ainda bem que obedeceu as minhas ordens corretamente. Temi que, ao receber a mensagem, você já estivesse hipnotizada por elas.
Acho que quem ainda não descobriu quem é ela deve estar louco de curiosidade.
Não precisa morrer, eu conto.
L. P. era nada mais, nada menos do que a abreviação de Lince Parda.
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Sam, a assassina do mundo perdido
FantasyEu era uma estranha normal até ser apresentada a Kim, o mundo perdido... Junto com meus melhores amigos, embarquei para esse mundo de maravilhas, encantos e mistérios. Sabia que iria ser perigoso, só não sabia que fazia parte de uma profecia e tinha...