Os que iam para a caçada foram para fora da caverna. Deveria ser mais ou menos umas três da manhã. Mas o meu relógio, como sempre, ainda marcava o horário do outro mundo. Acab segurou em meu ombro e pediu par a que eu o esperasse.
- Alguma coisa capitão?
- Sim. - disse ele, sorrindo. - Por favor, enquanto estivermos na caçada, tente segurar sua amiga Cristina para ela não destruir nenhum dos mastros.
- Não se preocupe com isso capitão. Cris agora luta com bastão, portanto será muito difícil ela destruir algum dos mastros. - respondi, com uma pitada de ironia.
- Bem, - ele pareceu meio desconcertado. - pelo pouco que você me conhece sabe que eu nunca destrataria uma dama. Mas ela mereceu. Chamou-me de pirralho; eu odeio ser julgado pela minha idade.
Eu ri.
- Meus parabéns capitão. Ela também odeia ser chamada de criança. Pelo visto vocês têm muita coisa em comum...
- Eu acho que não.
Ele me soltou e eu segui em frente. Logo acompanhei Lince, que estava transformada em animal. Andávamos rapidamente entre as árvores em um caminho longo e limpo, mas ainda estava escuro, e apenas as luzes de velas em vidros negros iluminavam fracamente o caminho. Eu podia ouvir trechos de conversas murmuradas entre os soldados, que me olhavam e tratavam-me com admiração e respeito. Sentia-me nervosa, tanta coisa ia acontecer agora! Mas procurei acalmar meu coração; isso não era bom para mim.
Depois de mais de meia hora de caminhada, comecei a ouvir um barulho incomum. A vegetação agora era formada apenas por palmeiras e arbustos baixos. E ao sair da floresta, contemplei uma paisagem incrível.
O mar.
Era a primeira vez que eu via o mar pessoalmente. E achei-o lindo, com os seus reflexos prateados e suas ondas indo e vindo...
- Os botes estão ali. - disse Lince, já humana. - Temos e embarcar e sair antes do sol nascer.
Como a bagagem já havia sido embarcada, logo todos estavam acomodados nos vinte e quatro botes. Ao longe, pude distinguir a silhueta dos oito grandes navios, todos muito bem armados, com mais ou menos umas dez bocas de fogo em cada lado. Ia eu, Karol, Susan, Alan, Cris, Milla, Cilla, Spike e Acab em um bote, que era puxado por golfinhos. Paramos no maior de todos os navios, e pelo lado de fora do casco, pude ver escrito em uma letra caprichada e cor de ouro, "Diamond".
- Quem vem lá? - perguntou uma voz masculina vinda de cima do navio.
- Sou eu, o seu capitão, marujo. - respondeu Acab. - Desça a escada, pois devemos zarpar antes do sol nascer.
- Antes de mandar baixar a escada - disse outra voz de homem, jovem, mas firme. - farei três perguntas para comprovar se você é realmente o capitão Acab, ou um impostor que quer tomar o seu lugar.
Vi que o capitão fez uma careta, mas respondeu:
- À vontade, Spin.
- Primeira pergunta: responda corretamente a data em que o Diamond colocou o casco na água pela primeira vez.
- Onze de março de 1783, na ilha do Suspiro. - respondeu o capitão, sem pestanejar.
- Correto. - disse a voz. - Segunda pergunta: onde o capitão esconde seus chocolates amendoados?
Acab sorriu e respondeu:
- Se eu disser você irá comê-los...
- Correto mais uma vez. Agora a terceira e mais difícil pergunta. E que somente o verdadeiro capitão Acab saberia responder.
- Eu não tenho medo Spin. Pode perguntar. - disse o capitão, segurando a aba do chapéu para que o vento não o derrubasse na água.
- Qual o nome da sua terceira esposa?
Senti que prendi a respiração sem querer. E ele também, quando respondeu com outra pergunta:
- Como posso ter tido uma terceira esposa, se nunca me casei?
A escada foi solta, e as cordas amarradas para puxar o bote. Subimos todos, e após alguns segundos o capitão foi recebido por seus homens no convés. Todos eles eram jovens, mas eu já não sabia dizer a idade real de ninguém ali. O homem que ele chamava de Spin era o seu imediato, e apesar da fraca iluminação vi que ele deveria ter a mesma idade do capitão.
- Homens - disse Acab, o que fez com o que o murmúrio de vozes que havia desde o nosso embarque cessasse por completo. - esta é Samantha, - apontou para mim - a cavaleira citada na profecia de Samantha, princesa de Kim. E quero dizer a vocês que uma ordem dela equivalerá o mesmo que uma ordem minha aqui neste navio, entendido?
- Sim capitão. - disseram em uníssono.
- Agora, levantar âncora e seguir a todo pano para a Ilha do Suspiro. Pretendo chegar lá amanhã de manhã. - e, virando para mim disse em voz baixa. - Precisa dormir Samantha. Você parece não ter dormido nada a noite inteira.
- E não dormi mesmo.
Ele acenou para um dos homens, que nos mostrou nossos camarotes. Dividi o meu com Karol, pois Cris fez questão de ficar com Susan. "Ela não anda de papinhos com pirralhos metidos" disse ela quando me viu conversar com o capitão. O camarote era pequeno, mas aconchegante. Duas camas, um armário duplo, criado mudo, um grande espelho e uma janela envidraçada, que dava para ver o mar. Tudo era muito simples e limpo, e gostei dele ainda mais do que dos quartos luxuosos que havia me dado na casa de Lince ou mesmo no quartel-general. Uma levíssima cortina negra fechava a janela, deixando o quarto na penumbra. Minhas armas estavam em um lugar especial: um armário embutido na parede, tão bem disfarçado que eu demorei a vê-lo. O banheiro era pequeno, limpo e bem arrumado, e a tina estava cheia de água morna.
O sol derramava os seus primeiros raios no mar, que estava tão calmo que parecia ser feito de vidro. O céu limpo indicava que não haveria transtornos em nossa viagem, e o vento forte dava velocidade ao navio. Ao longe, eu ainda podia ver a costa de Kim, com seus montes altos, sua vegetação belíssima e uma finíssima faixa de areia. O Diamond ia à frente, guiando a frota composta por oito navios, todos comandados por pessoas de confiança do capitão.
Tomei um banho rápido e dormi quase sem nem me dar conta.
* * *
Eu estava ofegante.
A tempestade era tão forte que o capitão Acab resolveu deixar de lado o piloto e conduzir ele mesmo o Diamond. O vento, que antes era bom e favorável a nossa viagem, agora nos levava direto ao tornado que se formava. As ondas varriam o convés, e os marinheiros agarravam-se ao cordame para não serem arrastados. Eu estava agarrada ao mastro principal, com a roupa encharcada e olhando o horizonte. Ela ia aparecer a qualquer instante.
Até que eu vi, bem perto do casco do Melanhcoliah, um esguicho de mais de cinquenta metros de altura.
É ela.
- Virar a bombordo! - gritei, e minha voz pareceu mais velha do que eu.
Acab me olhou como se eu tivesse pedido para que ele comesse as próprias botas.
- Você disse que uma ordem minha equivaleria o mesmo que uma ordem sua aqui dentro, não foi? - perguntei.
- Mas isso é suicídio Samantha! Dick irá nos afundar!
- Quer fazer o favor de virar a bombordo? - disse-lhe eu, irritada.
E lá fomos nós, na direção do olho do tornado. Tanto, que em certo ponto pude distinguir nitidamente o brilho dos olhos de Dick.
Começamos a girar em círculos, que nos puxava cada vez mais para o fundo. Parecia que alguém tinha tampado uma banheira, enchido de água, e logo em seguida tirasse a tampa. Comecei a ver o dorso da baleia debaixo do casco do Diamond, o que me deu certo medo. Nunca havia visto um animal tão grande como aquele.
- E agora, o que vamos fazer? - a voz do capitão soou como se ele estivesse à milhas de distância.
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Sam, a assassina do mundo perdido
FantasyEu era uma estranha normal até ser apresentada a Kim, o mundo perdido... Junto com meus melhores amigos, embarquei para esse mundo de maravilhas, encantos e mistérios. Sabia que iria ser perigoso, só não sabia que fazia parte de uma profecia e tinha...