Minha segunda morte

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Ao abrir os olhos, ouvi o barulho inconfundível da chuva no telhado. Batidas na porta me fizeram levantar e dizer:

- Entre.

Fi entrou, com a sua inseparável bolsa de frascos e potes coloridos. Deu-me bom dia e disse:

- Está pronta para começar a salvar seus amigos?

Confirmei com a cabeça.

- Então beba isto. - ele entregou-me uma pequena colher com o cabo bem parecido com o das facas especiais, só que com um líquido amarelado.

Parecia que todo o amargo do mundo tinha se juntado naquelas gotas. Quase vomitei.

- O que é isso? - perguntei.

O velho olhou-me e sorriu.

- Veja você mesma...

Quando olhei-me no espelho do armário, quase não acreditei.

Eu estava irreconhecível.

Meus olhos, antes azuis, agora estavam da cor de mel. Os cabelos longos e lisos, antes castanhos com mechas rosa e lilás, eram loiros e ondulados.

- O que aconteceu? - perguntei espantadíssima. Ao menos minha voz não havia sido alterada.

- Consegui este disfarce perfeito para você entrar no palácio sem ser barrada. - ele rodeou-me e começou a explicar. - Seu nome é Tiffany Loureai, minha aprendiz. Nada sabe sobre seu passado, ou de onde veio. Preste bem atenção ao que dirá se alguém lhe perguntar algo. As palavras podem ser fatais numa situação como essa...

Descemos e, sem avisar ninguém, saímos.

Lá fora, a chuva caía fortemente. Nossas capas logo ficaram ensopadas. Já era manhã, e me espantei muitíssimo com isso.

Andamos um bom percurso sem ver absolutamente ninguém. Porém, ao virar uma esquina, já bem próximos do palácio, ouvimos alguém bradar:

- Parem!

Senti os pelos do meu braço se arrepiarem. Fi virou-se com naturalidade e disse:

- Alguma coisa errada, senhor guarda?

O homem não sabia onde se esconder. Todos os guardas sabiam que o mago tinha passe livre em todos os lugares que quisesse ir, sempre. A rainha o puniria severamente se descobrisse.

- Desculpe-me senhor. - disse o guarda. Ao olhá-lo melhor, vi que ele devia ter a minha idade. - Não o reconheci debaixo desta capa.

Fi deu de ombros e, pegando em meu braço, prosseguimos na direção do castelo.

Não tivemos problemas para entrar, pois eu sabia de uma passagem que dava em uma grande árvore, num jardim espesso dentro dos muros. Assim que saímos, o velho logo conduziu-me para a cozinha, onde haviam vários serviçais a todo vapor fazendo doces, salgados, bolos e tortas. O cheiro era maravilhoso, e como não tivesse comido nada, era quase uma tortura ficar sentindo aquele aroma.

Da cozinha, tomamos um corredor que levava para os subterrâneos. Era tudo muito frio, úmido e escuro. Senti um pouco de medo ao passar por ali. Se eu estivesse sozinha, com certeza teria sido barrada pelo primeiro guarda. Mas com Fi ao meu lado eles afastavam-se como se a própria rainha estivesse em seu lugar.

Uma grande e pesada porta de ferro foi aberta e mostrou outras portas menores, trancadas a chave. Um olhar do curandeiro bastou para que toda a guarda real nos deixassem sozinhos ali embaixo.

Olhei a primeira cela e vi uma forma branca deitada em um monte de palha suja.

- Lince? - perguntei baixinho.

Sam, a assassina do mundo perdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora