Juntando as pecas do quebra-cabeça

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O criado guiou-me por um caminho de pedras lisas cheias de musgo devido ao tempo. Quanto mais andávamos, menos gente víamos. As árvores foram ficando espessas e o dia limpo e claro foi desaparecendo por entre a folhagem espessa acima de nós. Já fazia um bom tempo que caminhávamos, e como eu ia na frente, virei-me para trás para perguntar se ainda faltava muito.

Não havia ninguém.

- Olá! - gritei. - Tem alguém aí?

Ouvi apenas o silêncio como resposta.

Lá mais adiante, no caminho que eu seguia, havia uma espécie de solário, ou varanda. O vento começou a balançar as árvores e uma chuva de folhas caia sobre mim. Logo iria chover. O céu começava a ficar escuro e relâmpagos começaram a clarear a floresta. Corri para a grande construção, e qual não foi a minha surpresa quando vi a rainha Kiara dentro dela.

A rainha continuava vestida com o mesmo manto escarlate. Seu vestido branco era rendado, muito bonito, parecia uma noiva prestes a casar. O longo cabelo negro estava preso em um coque alto, enfeitado por uma coroa de rubis. Ela estava de costas para mim, e pareceu não perceber minha aproximação.

Subi os sete degraus que separavam o solário do chão. Ele era de pedra maciça, que deveria ter sido branca, mas agora o musgo havia-o entapetado totalmente. Flores silvestres cresceram e enroscaram-se nos pilares, e acima da construção, erguiam-se várias árvores com flores delicadíssimas. Olhei bem. Uma das flores caiu no chão, bem perto do meu pé. Juntei-a e um frio percorreu a minha espinha quando vi.

Era uma flor de cerejeira.

- Majestade... - disse eu, a uns seis passos de distância da rainha.

Ela virou-se, lentamente. Era o mesmo rosto que eu havia visto, porém parecia mais... diferente.

- Onde está o criado que mandei? - ela perguntou, e sua voz soou muito estranha.

- Ele deve ter voltado para o castelo. - respondi, e involuntariamente coloquei a mão na cintura, onde podia tocar no punho de minha espada. Ela olhou meu gesto e perguntou:

- Você veio armada, meu bem?

Lembrei de Miguel e do que ele havia me dito.

- Não senhora.

Ela sorriu, como um adulto quando pega uma criança mentindo.

- Então por que seu capitão mandou buscar todas aquelas armas?

Meu Deus! Agora, ao olhar bem, vi que os olhos azuis da rainha estavam negros.

Como os de uma serpente.

- São presentes para o rei Felipe. Todas elas estavam dentro de Dick.

Ela chegou bem perto de mim. Dessa vez, não podia dizer que havia engano: seus olhos, antes azuis e bondosos agora estavam negros. E a pupila era igual a de uma cobra.

- Por que está mentindo para mim? - perguntou ela, com voz suave. Nós estávamos tão próximas uma da outra que eu podia ouvir a respiração. E ver a língua bifurcada.

- Não estou mentindo. - respondi-lhe, sustentando o olhar dentro daqueles olhos aterrorizantes.

A chuva começou a cair.

Kiara afastou-se uns sete passos e retirou o manto das costas, deixando-o cair no chão. De repente, retirou duas espadas das costas.

- Você vai pagar caro por mentir... Vai pagar por tudo o que fez!

Sorri, irônica.

- Ah, não se esqueça da morte de Dick, Kiara... - ela olhou para mim, como se não acreditasse no que ouvia. Completei. - Ou devo dizer... Salt.

Sam, a assassina do mundo perdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora