Conforto

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P.O.V. Saskia


Eu tinha uma memória afetiva que sempre me levava pra minha zona de conforto. Em dias ruins, momentos difíceis, situações complexas... Eu me concentrava e tentava me transportar de novo para esse lugar seguro. O problema é que quanto mais o tempo passava, mais difícil ficava de acessar. Quanto mais merda a gente vê e passa na vida, ele parece cada vez mais inalcançável. Era assim que eu me sentia. Perdida, implorando pra tentar achar esse lugar de novo, mas eu simplesmente não conseguia. De toda forma, não era hora de me esconder, eu ainda tinha que viver e agir, então... Eu vou ter que esperar. Mas quem sabe mais tarde quando essa marmota dormir. Agora eu tinha que cuidar dela, porque parecia uma criança de 10 anos, teimosa que nem uma mula, que não cuidava do ferimento e saía andando a esmo sozinha de noite em Nova York. Porra, Sadie, assim ficava difícil te defender.

-Vamos cuidar desse machucado, bora, senta no sofá.

-Aff, que clichê.

-Culpa sua! Que é teimosa, não se cuida! Não pode andar sozinha enquanto ainda tiver sintomas da concussão, é perigoso! Se você caísse, batesse a cabeça de novo... Se desmaiasse, se estivesse no meio da rua... Sadie! Não faz mais isso. - eu estava preocupada de verdade com essa maldita, por que ela só não fica com a bunda quieta em casa? Tirei o curativo e joguei um pouco de soro nos pontos. Ela se arrepiou.

-Tá gelado, tá gelado!

-Agora aguenta.

-TÁ MOLHANDO MEU CABELO TODOOOOO! - ela choramingou e fui obrigada a rir do seu desespero.

-Fica parada! Senão eu erro o machucado e mais soro no seu cabelo.

-Tá, tá. Mas tá gelado pra porra.

-Deixa de ser molenga. - joguei mais soro quando ela finalmente ficou parada e sequei suavemente com a gaze. Passei a pomada e coloquei o curativo novamente. Agora eu tava mais sossegada, se aquilo inflamasse ia ficar pior pra ela.

-Essa é a parte que você me beija, a gente tá num clichê, lembra? - olhei confusa pra ela. - Aff. Nunca viu as histórias em que uma das pessoas do casal principal se machuca aí a outra vai tratar do ferimento e acabam se beijando? Qual é, clichê clássico, vai me dizer que nunca tinha visto.

-"Casal principal"? Somos um casal? - ela pareceu ficar envergonhada e surpresa com a pergunta. Achei engraçadinho e dei um sorriso disfarçado.

-Eu sei lá, somos?

-A gente tá mais pra uma dupla. Uma boa dupla. - comentei confiante. Ela deu de ombros e depois sorriu, concordando.

-Por mim tá bom assim. - ela avançou e me deu um beijo longo, mas simples. Apenas selamos nossos lábios. - A dupla dinâmica. - sorri de canto. - Saskia... Posso te perguntar uma coisa? - ah, lá vem. Minha irmã tinha que brigar comigo na frente dela, né? Agora vai ficar perguntando sobre a minha vida. Eu não queria falar disso com Sadie. É feio falar de peguete pra outra peguete, né?

-Poder até pode, mas eu não garanto que eu vá te responder.

-Imaginei. Quando falei coma Kara, ela falou que você tava com uns problemas pessoais... E hoje mais cedo você não quis me ver, porque já tinha um compromisso. Aí vem essa briga super aleatória com a sua irmã e...

-Pode parar por aí. Eu não gosto muito de falar desse assunto. É esquisito, ainda mais pra conversar com você. - dei de ombros e sentei ao lado dela. 

-Ok. - e aí ficamos naquele silêncio esquisito e constrangedor que me deu vontade de morrer. Ela então levantou e abriu a cortina, ficou olhando pro céu que estava cheio de estrelas. Se apoiou na cabeceira e continuou, enquanto eu a admirava. Que corpaço. Não sei se ela ficou chateada, mas de toda forma me senti esquisita, aí fui pro lado dela. - Sabia que quando eu tinha 9 anos... Meu primeiro amor foi minha coleguinha de classe? - do nada? - Ela era minha melhor amiga e ficava cavando buracos na areia do parquinho comigo. A gente chamava de casinhas subterrâneas, que seria onde a gente ia morar quando se casasse. Olha que viagem.

The lawyer and the journalistOnde histórias criam vida. Descubra agora