Beneficente para quem?

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Já passavam das três da tarde e eu ainda precisava resolver bastante coisa antes de poder ir até o salão me arrumar para o evento de hoje a noite. Ser dona e CEO de uma empresa de comunicação nunca tinha sido meu maior sonho, mas tudo caminhou para isso. Porém o trabalho me reservava outras demandas além das paredes do escritório, como por exemplo, o evento beneficente do GRAAC, que por sinal era uma bela causa. No entanto, eu não estava em uma boa semana, para ser bem sincera. 

As horas rapidamente passaram e quando finalmente pude consultar meu relógio percebi que eu estava completamente atrasada, não poderia passar em casa antes de ir ao salão, portanto, teria que fazer o processo reverso. O salão era próximo da agência e tirar o carro para andar apenas 3 quarteirões, no trânsito de São Paulo, não era opção. Então, peguei minha bolsa em cima da mesa e me dispus a andar os 3 quarteirões enquanto me xingava em todas as línguas possíveis por ter ido de salto 15 e fino naquele dia. 

Ao chegar no salão a primeira coisa que fiz foi tirar os sapatos, não me importava o que achariam de mim, estava cansada demais e um pouco atrasada para isso. Nem me sentei no sofá para aguardar, logo uma atendente me chamou me levando para o lavatório. Foram longos minutos de paz enquanto ela lavava e penteava meu cabelo, naquele momento pude respirar e me reconectar com o propósito de tudo aquilo. Quando passamos para a cadeira, conversamos um pouco sobre o que eu gostaria para o cabelo, mostrei a ela algumas opções, mas logo decidimos ficar com um coque baixo que trazia seriedade ao look ao mesmo tempo que deixava os ombros e colo a mostra. 

Os momentos no salão logo passaram, principalmente, porque me concentrei em adiantar algumas aprovações em meu tablet enquanto fazia o cabelo e escutar novamente algumas reuniões para rever alguns pontos levantados pelos clientes enquanto faziam minha maquiagem. Maquiagem essa que ficou impecável, clean, porém linda. 

Com o fim de todo processo de beleza corri até a empresa para pegar meu carro e ir para casa. Chegando lá os momentos pareciam apenas flashes cronometrados, toma banho, passa iluminador no corpo, veste roupa, passa perfume, coloca acessórios, calça sapato e finalmente atende o celular depois de no mínimo 40 ligações desesperadas da Bárbara. 

— Oi, Bárbara! Já estou indo e sim, eu escolhi o vestido preto tomara que caia curto na frente e com aquela calda atrás e não se preocupe eu coloquei o scarpin preto, não estraguei o look. Você sabe que disso eu entendo. 

Ela nem me respondeu, apenas desligou sabendo que se continuasse eu me atrasaria mais. Peguei a bolsa que já estava separada para mim na cama, o celular, as chaves do carro e num piscar de olhos, como se eu tivesse passado em cima de todos os carros de São Paulo, eu estava na porta do evento. Quem também já estava lá era a Bárbara, me fuzilando com os olhos, como se eu tivesse matado alguém. 

Além de minha prima, ela era quem cuidava da minha agenda social. Tudo começou com RP (relações públicas da agência), mas tudo tomou forma rápido demais e ela teve que virar minha RP também. Por isso, os olhos dela me fuzilavam. Eu estava atrasada, dirigi feito louca e ainda iria ter que passar pelo tapete do evento em um momento em que eu teria 0 destaque, já que todos os holofotes iriam para os artistas, jogadores e demais famosos que chegavam naquele horário. Mas naquele momento, já não tinha muito o que fazer, então apenas a puxei pela mão e passamos por ele como mera desconhecidas, o que a propósito éramos, recebendo apenas alguns cliques de revistas focadas em empresários de destaque. 

Quando passamos pela porta o local estava extremamente lindo e haviam pessoas dos mais diversos ramos naquele espaço. Minha cabeça só pensava que: é um ótimo local para networking. Mas como tudo na minha vida anda desalinhado com minhas expectativas, minha primeira primeira pisada no evento foi no pé de alguém. Logo no primeiro passo que dei, senti o pé de outra pessoa debaixo do meu e com o instinto normal do ser humano, minha primeira reação foi me virar para pedir desculpas.

Porém, o que eu sempre duvidei acontecer na vida real aconteceu, logo comigo. Quando me virei senti uma brisa forte fazendo com que o perfume daquele homem entrasse em minha pele e um brilho extremamente anormal, como o de um refletor iluminou o rosto dele, eu sabia de quem se tratava, afinal eu me mantinha sempre atualizada, mas eu não conseguia pronunciar nem ao menos uma palavra, só observa-lo. Contudo, assim como nos filmes eu fui tirada do transe, o que me fez morrer de vergonha do que estava acontecendo. 

— Eu sei que você vai pedir desculpas, mas antes pode tirar o pé de cima do meu. — ele disse gemendo um pouco de dor e forçando um sorriso, o que me fez rapidamente tirar o pé de cima do dele e endireitar meu corpo.

— Perdão, perdão mesmo. Não vi você chegando. Tudo bem com seu pé? — respirei fundo tentando esquecer daquela cena que agora não passava de um momento constrangedor para mim. 

— Tudo bem com o pé e tudo bem com a situação, acontece... — ele disse simpático se ajeitando e me olhou como se esperasse uma resposta, resposta essa que só foi dada após um beliscão da minha querida prima para que eu parasse de ser um jeca.

— Aii. — olhei para ela a fuzilando — É Anna .  Anna Romano, prazer. 

— Richard Ríos. — balancei a cabeça afirmando que já sabia — Eu preciso ir, não se preocupa, já passou ok? 

Afirmei com a cabeça sorrindo, como se não estivesse morrendo de vergonha e assim que ele saiu mais do que depressa puxei a Bárbara para caminharmos pela festa nos esquecendo totalmente ou quase do acontecido. Aproveitei aquele momento para me distrair um pouco, no entanto, eu sentia como se um olhar estivesse me seguindo, mesmo sem conseguir distinguir de onde vinha. Fazia tempo que eu não bebia e por saber que eu já havia feito minha doação e que provavelmente eu nem iria a empresa amanhã, me deixei tomar umas taças a mais de vinho. O que sinceramente eu não recomendo, não era nem perto de cerveja, porém a falta de costume além de me deixarem levemente tonta, me deram uma vontade enorme de ir ao banheiro. 

Nesse momento da festa, eu já nem sabia onde minha prima estava, se ela havia ido embora e se sim o que eu faria, já que eu estava de carro e bêbada. A única coisa que eu sabia era que eu precisava ir ao banheiro e urgente. Nem me lembro de ter pedido licença ao grupo com quem eu estava conversando, apenas dei passos correndo em direção ao banheiro. Foi um momento de total alívio, mas eu me olhava no espelho e meus olhos não mentiam, eu com certeza estava trocando as pernas. Respirei fundo sentindo o banheiro querendo me derrubar, mas talvez fosse só o ambiente fechado.

Dei passos largos para sair do banheiro, largos o suficiente para embolar minhas pernas e cair direto nos braços de alguém, alguém que não sei porque estava ali na porta do banheiro feminino naquele momento. Eu respirei fundo pedindo a Deus para que aquela não fosse mais uma das inúmeras vergonhas da noite. No entanto, não era segredo para ninguém de que era. Os olhos dele sorriam, como quem já esperava por aquilo e naquele momento minha boca salivava talvez porque eu estava bêbada, talvez porquê olhos sorridentes sempre me encantaram ou talvez porque eu sentia o calor das mãos dele envolta do meu corpo e conseguia ver perfeitamente as linhas dos lábios dele tão próximos a mim. 

— Fazem exatamente duas horas que eu já estava prevendo esse momento. — ele disse sorrindo e me levantou se ajeitando. 

— Como assim, você estava me observando? 

— A noite toda, não percebeu? — ele falou esquecendo que eu não tinha condições nem de me perceber naquele momento — Como você vai embora para casa? 

— Como você não está bêbado? Praticamente todo mundo está. — falei ignorando completamente a pergunta dele.

— Provavelmente, eu não bebi, Anna — ele disse rindo como se fosse uma pergunta para lá de besta.

— Tanto faz. — me recompus dando alguns passos, mas logo fraquejei novamente sentindo suas mãos me erguerem rapidamente. 

— Como você vai embora? — ele falou mais sério dessa vez. 

— De carro, eu vim de carro. — me escorei na parede. 

— Do jeito que você veio não aguenta voltar. Eu estou indo embora, te levo. 

Depois das palavras dele tudo que me lembro são fragmentos. Talvez eu tenho vomitado nele, talvez eu tenha agarrado ele, talvez eu não esteja em casa. Tudo do resto da noite são uma sequência de talvez para mim. Mas bem no fundo, eu gostaria de saber quem realmente se beneficiou daquela noite, pois de beneficente pra mim não ocorreu nada.

Reserva- Richard RiosOnde histórias criam vida. Descubra agora