Sensação estranha

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Os primeiros dias naquela cidade me trouxeram alívio. Foi ótimo poder ter paz, também não expliquei o porque eu tinha decidido viajar, disse que estava precisando de férias e que a Antônia ficou me chamando, ela confirmava sempre minha fala, já que eu contei por alto o que havia acontecido para ela. Enquanto Antônia trabalhava eu passeava, era ótimo conhecer cada cantinho. 

No sábado fomos para praia, não era um dia tão frio e podemos ir até lá aproveitar a manhã e parte da tarde. A Antônia já estava completamente ambientada, então isso facilitava bastante. Os biquinis estavam bem abrasileirados para mim e o meu nem se fala, não é mesmo. Escolhemos duas espreguiçadeiras perto do bar e nos deitamos. 

Juro que cheguei a cochilar enquanto sentia a brisa do mar bater em meu rosto, era uma sensação de renovação, como se nada de antes tivesse acontecido, como se minha vida fosse sempre uma praia em Calvià. Era calmo, ensolarado e cheio de homens lindos, mas que não me causavam desejo nenhum. Eu só pensava em comer, beber e pensa em mim. 

Antônia ao contrário de mim estava atenta, me pedindo para ajuda-la a escolher qual gringo passaria por sua cama. Essa família gostava viu, gostava e muito. Consequentemente sofria também. Durante o almoço implorei para comermos paella, ela estava enjoada, eu estava com desejo, chegava a salivar. Com muito insistência da prima turista ela aceitou. 

Comi feliz, deliciando cada garfada como se fosse a ultima e aquilo me trouxe mais paz ainda. Matar desejos sempre é ótimo, já faziam uma semana e eu nem conseguia me lembrar do homem de quem eu fugi. 

Na parte da tarde foi álcool atrás de álcool e quase achei que não conseguiríamos chegar em casa. Que seriamos sequestradas e levadas para um abrigo onde seríamos comercializadas. Eu sequelei, vi muita novela, me desculpe. Mas antes mesmo de chegarmos em casa comecei a vomitar, sem parar e eu nem conseguia descobrir o que era. Já que eu tinha comido exageradamente, bebido exageradamente e vinha de um histórico depressivo fudido. 

Pareceu que o meu vômito sarou a Antônia, porque mesmo bebada ela conseguia agir com uma pessoa sã. Ela não sabia se dirigia, se segurava meu cabelo, se parava, se ia a uma farmácia ou se me levava para casa para tomar um banho. Lembrando fico com dó dela, mas era esperado que tudo aquilo acontecesse. 

Dentre todas as opções ela me levou para casa. Foi me dar um banho e se assustou primeiro falando. 

 — Você está sangrando. — eu estava passando mal, mas não o suficiente para não entender.

— Antônia, eu sou mulher. Eu devo estar chegando no período. 

—  Sei não. —  ela disse, mas veio me ajudar a lavar o cabelo, mal dia.

Sentir o cheiro do shampoo me fez vomitar novamente, pela primeira vez ela me xingou.

— Anna. Porra cara, você quase vomitou em mim.

— Sai fora, Antônia. Deixa que eu me viro. 

Ela não pensou duas vezes, me deixou sozinha e eu me sentei para tomar banho. Fiquei tentando fazer as contas para lembrar quando eu deveria menstruar, não conseguia lembrar. Ótimo, depois eu olhava isso. Me levantei para terminar de tomar o banho. Quando saí já estava um pouco melhor, mas ainda ia precisar limpar todo o banheiro. 

A Antônia tinha apagado em sua cama com roupa de praia mesmo e eu preferi não acorda-la, fui para o quarto de visitas e eu me sentia muito estranha. Enjoada, sonolenta, comecei a sentir dores no abdômen. Estava tendo uma provável infecção intestinal, me xinguei por comer demais aquela paella, era um prato forte, o que fui arrumar. 

Mas lembrei do tal sangue, só que estava alterada para lembrar a data da minha ultima menstruação. Deus tinha que ter misericórdia de mim, já tinha sofrido demais. 

Talvez eu tivesse bebido demais, misturamos muitos destilados. E aquilo só fazia minha cabeça doer, com medo de ter feito alguma merda. Eu queria tomar remédio, mas tinha medo. Eu queria enfiar um remédio de dormir goela abaixo, mas tinha mais medo ainda. Chorei um pouco com medo do que eu tinha feito com a minha vida. Dormi com o choro e lembrei dele. 

Acordei no outro dia me sentindo estranha, mas bem provavelmente fosse por ter passado mal em um lugar estranho. Na minha casa tudo resolvo, na casa dos outros eu não sabia onde tinha nada. Foi díficil. 

Além da sensação estranha, estava morrendo de fome. Rezei para que a Antônia já estivesse acordada para podermos tomar café. Ela já estava e já tinha me preparado um café, um café de doente. Inclusive me proibiu de tomar café, como se tivesse algo de errado comigo, me senti filha dela. E eu era mais velha. 

— Come! —  ela colocou na minha frente um mingau, meu estômago revirou — Mais tarde vamos na farmácia urgente. — ela estava misteriosa, não me falava nada, só mandava em mim. 

Eu realmente era a filhinha dela, tinha que obedecer calada e se não fizesse como ela pediu ela contaria para minha mãe. Melhor, ela era minha tia. Não conseguia nem olhar para o mingau, mas precisava comer, então a cada colherada fechava os olhos e o nariz para poder engolir. Era extremamente desconfortável aquela situação, mas meu corpo também estava extremamente desconfortável.

Era como se eu estivesse fora do meu próprio corpo, estava inchada, acreditava ser pelo alcool, estava enjoada achava que era a comida, estava deprimida achava que era a situação, estava com cólicas acreditava ser a menstruação, estava com sono e achava que era por não ter dormido bem, não era eu, não um eu saudável.

Reserva- Richard RiosOnde histórias criam vida. Descubra agora