- Lolita?
Acordo assustada, com os olhos arregalados.
- Mãe, oi.
- Tudo bem filha?
- Sim, tudo ótimo.
Minha mãe não acredita muito no que digo, mas me chama para o almoço.
- Já estou indo, só vou jogar uma água no rosto.
- Tudo bem, estamos te esperando.
Mas que sonho perturbador foi esse?
Já não bastava sonhar com Peter queimando uma noite, e em uma outra noite com Louis. Agora os dois de uma vez?
De um lado sou Lolita, mas de um outro sou Emma. Será que o garoto da bicicleta continua como era na nossa antiga vida? Será que ainda vamos nos amar como antes?
Tais dúvidas estão me consumindo.........................................................................
Hoje é quinta-feira, o acidente foi na sexta passada, amanhã é o enterro de Louis. Não sei bem como reagir a isso, não vou fazer discursos, nem nada do tipo. Só vou me despedir adequadamente, orar por ele e esperar que ele esteja bem.
Almoçamos, conversamos sobre o enterro de Louis, digo que vou e logo em seguida me tranco no quarto com Alice e o Lion.
Passo o dia vendo tv, ouvindo músicas da rainha Adelle e chorando um pouco, principalmente quando ouvi " set fire to the rain".
E assim fico durante uma semana, vejo tv, como o que consigo, ouço músicas, cuido das queimaduras e tento dormir.Não estou chorando tanto quanto antes, minha mãe acha que é algo bom, mas eu sei que não é.
Parece que a cada dia que passa fico vazia, fria assim dizendo.
Estou triste, mas sei que chorar não vai adiantar nada e sorrir é difícil quando há tantos pensamentos importunos.Eu quero Peter, sei que com ele vou melhorar, vou voltar a ser como eu era antes de ter um relacionamento com Louis.
Me sinto extremamente culpada por querer Peter de volta, acabei de perder o meu namorado, mas esse mesmo namorado que sinto falta fez tão mal para mim, é um mix de sentimentos inexplicáveis, é uma tortura, eu estou me torturando.Minha psicóloga está muito preocupada, só fui uma vez até seu consultório, as outras consultas eu fiz online.
Agora estou fazendo três consultas por semana, no começo achei um exagero, mas agora vejo como está ajudando.........................................................................
*No dia seguinte
Acordo, ouço chuva e vento.
Minha roupa preta e deprimente já está separada, será logo pela manhã o enterro.
Me arrumo quieta sem dizer nada além do " bom dia", é um dia muito difícil.
Tomo banho, não choro, penso nele, mas não choro. Como, não choro, lembro dele, mas não choro.
Vamos para o carro, não choro, vejo os lugares que costumávamos passear, mas não choro.
Chegamos ao cemitério, não choro, vejo as poucas pessoas que vieram se despedir dele também, mas não choro.Sinto o vento frio e molhado açoitar meu rosto, grudando fios em minhas bochechas, mas não me incomodo em tirar, não me importo.
Estou sonhando? Isso não parece real, sinto que estou flutuando, tudo está confuso, embasado.Não consigo chorar, muito menos sorrir ou sentir. Meu peito está pesado, meus olhos ainda vermelhos e meus braços queimados estão cobertos por meu sobretudo preto e macio.
Macio como os cabelos de Louis, macio como a voz de Peter.
Não, estou no enterro de Louis, Peter está morto, não sei quem ele é agora ou se ele voltará, nada de Peter hoje.O tio do Louis faz um discurso, ouço metade, não ouvi nenhuma verdade, ele estava na França e não se importava com ele ou seus problemas.
Ele implorou para o tio dele vir morar aqui, implorou para sair daquela casa, mas ele disse que não podia.Uma vez fomos para Paris, onde o tio dele mora, era uma casa linda, uma vida tranquila como nos filmes. Louis chorava, éramos apenas crianças, ele chorava para morar com seu tio, dizia que ia me levar junto com ele.
O tio dele se chama Jean, nunca casou e não teve uma família, sempre disse que não tinha tempo para isso, muito menos filhos. Só fui uma vez com ele, pois Jean não queria mais uma criança para cuidar, já não bastava o sobrinho.
Minha mãe ficou ofendida e disse que eu não deveria ir para lugares que não sou bem vinda, então nunca mais fui. Pretendo voltar para França, lembro como amei aquele lugar e como me senti em casa.
Agora entendo porque fiquei encantada quando criança, eu morei lá com Peter.Começar a lembrar de uma memória com ele é uma rua sem saída, um ciclo sem fim.
Como era bom estar com ele, quando ele era criança sempre me trazia presentes, mas nada comprado, tudo feito a mão ou uma flor que ele achou pelo caminho da escola.
A primeira vez que ele foi em casa, minha mãe fez sanduíches naturais e suco de laranja. Louis comeu tão rápido que ficou com soluços, minha mãe ria, dizendo para ele " vá com calma pequeno Louis".
Eu não ria da situação, não ria porque eu sabia o motivo da pressa, o motivo de comer como se nunca tivesse comido.
Contei para minha mãe, ela chorou e ficou se sentindo culpada por rir.
Depois desse disse Louis começou a ir em casa com muita frequência, minha mãe estava sempre cuidando de seus ralados e roxos, alimentando ele com as melhores comidas de mãe e abraços.
Lembro que um dia ele chamou minha mãe de mãe, disse que ela era como uma mãe para ele, então foi nesse dia que ela se apegou mais ainda a ele.
Sei que deve estar sendo difícil para ela também, assim como para Alice. Mas elas não conseguem dizer isso, pois depois de tudo que Louis fez comigo, nunca verão ele como o pequeno Louis novamente, assim como eu deveria, mas não consigo.Agora toda nossa infância e adolescência está passando pela minha cabeça, Jean acabou de contar suas mentiras, todos estão olhando para mim, esperando que eu diga algo.
O que eu diria? Que estou acabada e que sentirei muita falta dele? Que ele era o dono do meu coração, mas esse mesmo dono foi responsável por destruír ele?
Mostro minhas queimaduras e digo que fiz de tudo para salvar ele, mesmo depois de ser espancada um dia antes pelo mesmo garoto?
Conto suas promessas vazias?
Não, eu não tenho nada a dizer, meu coração ainda não está curado o suficiente de suas feridas e palavras.
Eu o amo, mas eu odeio amá-lo.Com aquele silêncio constrangedor, começam as orações e o caixão será enterrado logo em seguida.
Meu Louis vai ficar debaixo da terra, enquanto eu fico aqui em cima tentando viver sem ele.
Deixo uma flor em seu caixão, minha mãe e Alice estão chorando.- Desculpa, filha.
- Pelo o que?
- Por chorarmos pela morte de Louis, mesmo depois dele ter feito aquilo com você.
Ah Deus.
- Vocês só estão chorando pela perda do pequeno Louis, não pelo Louis que ele se tornou pouco tempo antes de morrer.
Está tudo bem, eu o amo, vocês amam ele, mesmo depois daquilo.Alice não soltou de minha mão desde que saímos do carro, e minha mãe está atrás de nós, acariciando nossos ombros.
Quando acabamos as orações, o caixão começou a entrar na cova.
Não é só o meu namorado que está sendo enterrado, mas sim uma parte minha, porque Louis pegou uma parte de mim e deixou o resto em pedaços.- Espere!
Digo, assustando todos.
Pego em meu bolso uma bolsinha bem pequena, nela há uma carta que fiz para ele quando criança, a qual nunca entreguei, junto com nosso chiclete favorito, uma petela de uma rosa que eu ganhei dele e uma foto nossa, na praia da ponte.
Minhas mãos estão tremendo, mal consigo chegar até o caixão.
Coloco a bolsinha, abrindo só um pouco, pois não consigo abrir e ver seus restos em um pote.
O corpo dele foi todo queimado, então cremaram e enterraram, pois Louis queria ser enterrado.
A chuva aperta, minha mãe vem correndo e coloca o guarda chuva por cima de mim para me proteger.
Assim como o céu está chorando, eu estou.Minhas lágrimas são como a água da chuva, meus soluços são como o vento, meus gritos são como trovões e meu amor por ele são os raios, que brilham sempre, não importa o que aconteça.
- Au revoir, mon amour.
( Adeus, meu amor)Sinto que não é a primeira vez que estou dizendo tais palavras diante do túmulo de meu amor.
Então quando estava me afastando, pude jurar que senti suas mãos segurando as minhas e ouvi ele dizer adeus de volta.........................................................................
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Outro corpo, mesma alma
RomansaLolita pensou ter encontrado o namorado dos sonhos, sua alma gêmea, mas isso não durou por muito tempo. Quando achava que estava com a pessoa certa, ela começou a ter sonhos, pensamentos intuitivos de que algo trágico estava prestes a acontecer, mas...