Capítulo 1

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Desgostosa com tudo o que me rodeia, eu apenas queria tomar um café e comer um daqueles bolos que eu amava.

O meu dia a dia resume-se a estas quatro paredes. 
Pela janela avisto a serra.  Passo grande parte do dia a olhar as àrvores, o céu azul e o cantar dos pássaros.

A janela tem grades.  Na minha depressão eu já tentei o suicídio mais que uma vez e hoje vivo enjaulada como um animal.

Acordo sózinha, trazem-me comida, como, durmo e sonho sair daqui.

Quando termino de comer dá-me um sono imenso e durmo.  Por vezes alguém vem limpar o meu quarto, mas não fala comigo.

O meu contacto com o mundo exterior é unicamente quando visito o médico.  Colocam-me um colete de  forças desde que saio do meu quarto até ao consultório médico.

- Como está hoje a Juliette?

A Juliette sou eu. Olho para o homem de bata branca na minha frente e não o reconheço.  Da última vez era um outro de olhos claros e cabelos loiros.

Este é moreno.  Barba bem feita e olhos doces.

- Eu quero um café com bolo.

- Não pode tomar café. - falou a pessoa que me acompanhava.

Juliette baixou o olhar e começou  a brincar com os dedos das mãos.

- Não  pode, não  pode, não  pode.

- Isso mesmo.  Não pode.

- Sou novo aqui.  Explique-me o historial da Juliette antes de ver o processo dela.

- Faz 6 meses que ela chegou até nós com depressão profunda.  O companheiro achou por bem interná-la alegando que ela tinha tentado o suicídio.

- E a depressão tem alguma causa?

- Ela perdeu um filho.  Estava grávida de 8 meses e aparentemente tudo ia bem, mas uma queda feia fé-la perder o bébé que nasceu morto.

Juliette escutava a acompanhante falar e alisava a barriga ao mesmo tempo que as lágrimas lhe caíam pela face.

O médico observava as reacções de Juliette.   Nunca tinha tido nenhum caso com estes contornos.  Pediu à enfermeira que trouxesse um café e um bolo da cafetaria.

- Café, doutor?  Com a medicação não é aconselhável.

- Um não lhe fará mal.  Eu preciso do máximo de informacões.  Como ela se comporta lá na casa da repouso?

- Está o dia todo no quarto.  Vive praticamente enclausurada.

- E vocês acham isso justo?

- Doutor, estamos com alguns problemas financeiros.  Não temos pessoal suficiente para atender as necessidades dos utentes.

- Quem é o responsável por ela? Família, amigos, o companheiro?

- Ninguém a visita desde que ela entrou lá.  O companheiro no início pagava a mensalidade, mas foi os três primeiros meses.  Há três meses que não recebemos nada e não conseguimos contactá-lo.  Soubemos que foi para o estrangeiro.

A enfermeira assistente chegou com o café e o bolo e colocou na frente dela.

- Podes comer, Juliette.

- Não vou apanhar?

- Apanhar? Apanhavas de quem?

Juliette fechou as mãos e começou a socar a cara e a barriga.

- Calma.  O médico deu a volta à secretária e veio sentar-se em frente dela.  Segurou-lhe as mãos e abriu-as. 
Ninguém te vai bater.  Colocou o bolo na mão dela e pediu para ela comer.

Juliette deu a primeira dentada e sorriu ao mesmo tempo que fechava os olhos.  Comeu-o todo e depois bebeu o café.
No final passou a mão no rosto do médico.

- Eu quero tratar dela aqui.  O que preciso fazer para ela deixar a vossa instituição?

- Não deve ser muito complicado.  Uma vez que ela está lá de graça, julgo que a directora não se vai opor.

- Então ela fica cá já hoje.  Apesar desta clínica ser privada, também faço atendimento pro bono em alguns casos.  Quero que ela seja um desses casos.
Se a sua directora quiser falar comigo estou à disposição.

- Tem a certeza, doutor?

- Tenho.  Fez-me pena uma moça tão jovem viver enclausurada.  Ninguém merece.

- Vou comunicar à direcção da casa de repouso.  Depois contactamos.

- Com certeza.   Tenha um bom dia.

A acompanhante saiu e Juliette ia segui-la.

- Não.   A Juliette fica aqui.

O médico mandou preparar um quarto para Juliette.   Quando ela entrou nele correu para a janela que  não tinha grades, porém também não abria. 
Mesmo assim ela sorriu.  A janela dava para o jardim da clínica.   O espaço tinha muros bastante altos, portões reforçados e segurança na saída.  Juliette observou alguns pacientes no jardim, supervisionados por algum pessoal.

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