Desgostosa com tudo o que me rodeia, eu apenas queria tomar um café e comer um daqueles bolos que eu amava.
O meu dia a dia resume-se a estas quatro paredes.
Pela janela avisto a serra. Passo grande parte do dia a olhar as àrvores, o céu azul e o cantar dos pássaros.A janela tem grades. Na minha depressão eu já tentei o suicídio mais que uma vez e hoje vivo enjaulada como um animal.
Acordo sózinha, trazem-me comida, como, durmo e sonho sair daqui.
Quando termino de comer dá-me um sono imenso e durmo. Por vezes alguém vem limpar o meu quarto, mas não fala comigo.
O meu contacto com o mundo exterior é unicamente quando visito o médico. Colocam-me um colete de forças desde que saio do meu quarto até ao consultório médico.
- Como está hoje a Juliette?
A Juliette sou eu. Olho para o homem de bata branca na minha frente e não o reconheço. Da última vez era um outro de olhos claros e cabelos loiros.
Este é moreno. Barba bem feita e olhos doces.
- Eu quero um café com bolo.
- Não pode tomar café. - falou a pessoa que me acompanhava.
Juliette baixou o olhar e começou a brincar com os dedos das mãos.
- Não pode, não pode, não pode.
- Isso mesmo. Não pode.
- Sou novo aqui. Explique-me o historial da Juliette antes de ver o processo dela.
- Faz 6 meses que ela chegou até nós com depressão profunda. O companheiro achou por bem interná-la alegando que ela tinha tentado o suicídio.
- E a depressão tem alguma causa?
- Ela perdeu um filho. Estava grávida de 8 meses e aparentemente tudo ia bem, mas uma queda feia fé-la perder o bébé que nasceu morto.
Juliette escutava a acompanhante falar e alisava a barriga ao mesmo tempo que as lágrimas lhe caíam pela face.
O médico observava as reacções de Juliette. Nunca tinha tido nenhum caso com estes contornos. Pediu à enfermeira que trouxesse um café e um bolo da cafetaria.
- Café, doutor? Com a medicação não é aconselhável.
- Um não lhe fará mal. Eu preciso do máximo de informacões. Como ela se comporta lá na casa da repouso?
- Está o dia todo no quarto. Vive praticamente enclausurada.
- E vocês acham isso justo?
- Doutor, estamos com alguns problemas financeiros. Não temos pessoal suficiente para atender as necessidades dos utentes.
- Quem é o responsável por ela? Família, amigos, o companheiro?
- Ninguém a visita desde que ela entrou lá. O companheiro no início pagava a mensalidade, mas foi os três primeiros meses. Há três meses que não recebemos nada e não conseguimos contactá-lo. Soubemos que foi para o estrangeiro.
A enfermeira assistente chegou com o café e o bolo e colocou na frente dela.
- Podes comer, Juliette.
- Não vou apanhar?
- Apanhar? Apanhavas de quem?
Juliette fechou as mãos e começou a socar a cara e a barriga.
- Calma. O médico deu a volta à secretária e veio sentar-se em frente dela. Segurou-lhe as mãos e abriu-as.
Ninguém te vai bater. Colocou o bolo na mão dela e pediu para ela comer.Juliette deu a primeira dentada e sorriu ao mesmo tempo que fechava os olhos. Comeu-o todo e depois bebeu o café.
No final passou a mão no rosto do médico.- Eu quero tratar dela aqui. O que preciso fazer para ela deixar a vossa instituição?
- Não deve ser muito complicado. Uma vez que ela está lá de graça, julgo que a directora não se vai opor.
- Então ela fica cá já hoje. Apesar desta clínica ser privada, também faço atendimento pro bono em alguns casos. Quero que ela seja um desses casos.
Se a sua directora quiser falar comigo estou à disposição.- Tem a certeza, doutor?
- Tenho. Fez-me pena uma moça tão jovem viver enclausurada. Ninguém merece.
- Vou comunicar à direcção da casa de repouso. Depois contactamos.
- Com certeza. Tenha um bom dia.
A acompanhante saiu e Juliette ia segui-la.
- Não. A Juliette fica aqui.
O médico mandou preparar um quarto para Juliette. Quando ela entrou nele correu para a janela que não tinha grades, porém também não abria.
Mesmo assim ela sorriu. A janela dava para o jardim da clínica. O espaço tinha muros bastante altos, portões reforçados e segurança na saída. Juliette observou alguns pacientes no jardim, supervisionados por algum pessoal.
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Livre para sentir Saudade.
FanfictionSaudade Palavra com um sentido enorme. Sentimento que cabe no peito. Sensação de partida e também chegada. Temos de quem está longe, mas por vezes de quem está perto também. Olhei para trás e conclui que só queria ser livre para sentir Saudade.