Capítulo quarenta e três

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Então Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: "Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?" Jesus respondeu: "Eu digo a você: Não até sete, mas até setenta vezes sete.
M

ateus 18:21-22

Anna Júlia.

O luto é, de longe, a pior experiência que um ser humano pode enfrentar. É confuso, cruel e aterrorizante, porque a morte chega quando menos esperamos. Na realidade, todos sabemos que um dia vamos morrer, mas vivemos como se esse dia nunca fosse chegar. Quando eu era apenas uma criança, provei dessa dor. Como eu poderia imaginar que um simples algodão doce tiraria a vida da minha mãe? Se eu tivesse percebido antecipadamente que soltar sua mão e atravessar aquela rua era um grande erro, poderia ter evitado. Mas uma criança não tem a consciência que tenho hoje.

Quando me tornei adulta, jurei a mim mesma que protegeria minha irmã e meu pai. Lembro-me de brigar e discutir com ele por beber tanto. E então, de repente, ele sofreu aquela queda justamente quando havia parado de beber e estava se entregando a Deus. Foi quando percebi algo: eu não tinha o controle de absolutamente nada. Tanto quando criança quanto adulta, não poderia deter a morte, por mais dura que ela fosse. Eu apenas precisava aceitar.

Essa é a lição mais difícil que a vida me ensinou: aceitar a impermanência e a falta de controle. E, apesar de toda a dor, aprender a seguir em frente.

Muitos perdem a fé, se viram contra Deus e questionam o motivo de passarmos por tamanho sofrimento. Porém, assim como uma pintura cujo significado só o pintor conhece, também somos nós; somente Deus tem as respostas para todas as perguntas. E se Ele diz que é para nosso bem, precisamos confiar. Como a ostra que precisa se machucar para formar uma linda pérola, assim somos nós. Precisamos passar pela dor para nos tornarmos quem deveríamos ser desde o início.

Só entenderemos o começo quando chegarmos ao fim. Foi isso que aconteceu quando peguei aquele panfleto de doação de órgãos nas mãos. Como um estalo, tudo se clareou. Tudo fazia parte de uma obra que o Senhor pintou, e Adrian e eu fazíamos parte dela.

As batidas do meu coração se tornaram incrivelmente rápidas, minhas mãos trêmulas a ponto de não conseguirem segurar aquela folha. Ninguém pode prever sua própria morte, exceto aquele que Deus designou para partir.

É muito mais fácil aceitar a dor quando sabemos que não cabe a nós mudar nada e que existe algo maior que não podemos imaginar. Quando Adrian me contou sobre a mudança repentina de seu pai, eu entendi tudo. Não é sobre mim, é sobre Ele. Quem sou eu para não perdoá-lo se Deus já o tinha escolhido para lhe dar seu perdão? Não seria fácil, eu sabia, mas precisava fazê-lo.

__Você acha que agora com essa descoberta, poderá perdoar meu pai um dia?__

___Eu já o perdoei, Adrian__ – falei sinceramente. Ele balançou a cabeça para os lados e sorriu fraco, deu passos até mim segurando as laterais do meu rosto.

__Vou refazer a pergunta, Anna. Melhor: você acha que ainda pode me amar depois de tudo que meu pai te tirou? Seja sincera, Anna. Eu, mais do que ninguém, sei o quanto você tenta ser forte para tudo e todos, mas no final, somente eu e você sabemos o que passamos todos esses anos. Não precisa se esconder mais. Me diga o que mais quer, Anna? Eu prometo que vou te dar, mesmo que me doa. O que você mais deseja nessa vida? Qual é o seu maior sonho?

Uma cinderela diferente.Onde histórias criam vida. Descubra agora