A Provocação Silenciosa

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Capítulo 5:

Padre Charlie não conseguia esquecer o último encontro com Clara. As palavras dela reverberavam em sua mente como um eco incessante, questionando não apenas sua fé, mas a própria essência de quem ele era. As noites tornaram-se longas e perturbadoras, e mesmo durante as orações mais fervorosas, ele sentia o peso da dúvida invadindo sua alma.

Dias se passaram, e ele tentou de todas as maneiras ocupar sua mente com os deveres da paróquia. Visitou os enfermos, ouviu confissões e passou horas preparando sermões que ele próprio não tinha certeza se conseguia acreditar plenamente. Mesmo assim, a imagem de Clara o assombrava. Não apenas sua aparência sedutora e seu olhar provocador, mas também a verdade que ela havia insinuado – de que algo nele havia mudado, e talvez não houvesse como voltar atrás.

Em uma dessas tardes, enquanto acendia as velas para a missa vespertina, um jovem se aproximou dele na sacristia. Era Antônio, o irmão de Clara. Ele parecia agitado, com o rosto marcado por preocupação e cansaço, como se estivesse carregando um fardo pesado demais para suportar.

“Padre, eu precisava falar com o senhor,” começou ele, com uma voz que traía um misto de medo e urgência. “É sobre Clara. Ela... ela está em apuros.”

Charlie sentiu um aperto no peito, o coração disparando de preocupação. “O que aconteceu com ela?” perguntou, tentando manter a calma, embora a tensão fosse palpável em sua voz.

Antônio olhou para o chão, como se estivesse envergonhado. “Ela se envolveu com pessoas perigosas. Gente que não tem nada a ver com a vida que o senhor leva aqui.” Ele fez uma pausa, a voz vacilante. “Essas pessoas estão cobrando uma dívida, e eu temo que algo ruim possa acontecer a ela.”

O padre sentiu o mundo ao seu redor vacilar. A ideia de Clara em perigo era insuportável. Apesar das provocações e do turbilhão de sentimentos contraditórios, havia algo nela que o fazia se sentir responsável, como se tivesse o dever de protegê-la, mesmo que essa responsabilidade fosse contra tudo o que ele sempre acreditou.

“O que exatamente essas pessoas querem?” ele perguntou, a voz grave. “E como posso ajudar?”

“Eles estão exigindo pagamento em dinheiro, mas a dívida é alta,” respondeu Antônio. “Eu não tenho como pagá-la, e temo que... eles possam machucá-la para dar um exemplo.” Ele olhou diretamente nos olhos de Charlie, com uma expressão desesperada. “Padre, o senhor tem influência, conhece muitas pessoas. Talvez consiga convencer alguém a ajudar. Qualquer coisa.”

Charlie não sabia o que responder. A situação de Antônio e Clara era um reflexo de um mundo que ele sempre tentou evitar – um mundo onde o perdão e a penitência não eram suficientes para resolver os problemas. A resposta, no entanto, veio de um lugar que ele próprio não compreendia completamente. “Eu farei o que puder,” disse, as palavras saindo de seus lábios antes que ele pudesse ponderar as consequências. “Mas preciso saber onde ela está agora.”

Antônio suspirou de alívio. “Ela está na casa de uma amiga, escondida. Mas não sei por quanto tempo vai ser seguro. Essas pessoas são persistentes, e uma hora vão encontrá-la.”

Charlie sabia que precisaria agir rapidamente. Mesmo sem ter experiência em lidar com criminosos ou negociar dívidas, ele não podia simplesmente ignorar a situação. Sentia uma obrigação moral – e talvez algo mais profundo – de ajudar Clara.

Naquela noite, após uma missa cheia de incertezas e distrações, o padre se recolheu ao seu quarto e, pela primeira vez em muito tempo, não rezou. Em vez disso, ficou sentado, olhando para o crucifixo na parede. Não sabia se o que estava prestes a fazer era um ato de coragem ou um grave erro. Mas, no fundo, uma parte de si estava disposta a arriscar tudo por ela.

No dia seguinte, ele decidiu procurar um velho amigo, Gustavo, que havia se afastado da igreja anos atrás e agora trabalhava como investigador particular. Gustavo era um homem prático, que lidava com situações que ultrapassavam a moralidade convencional e que poderia ter os contatos necessários para ajudar.

Encontrar Gustavo foi como abrir uma porta para um passado esquecido, um tempo em que Charlie ainda era um jovem sem vocação definida, vivendo à margem de decisões que o conduziriam para o sacerdócio. O homem o recebeu em seu escritório com um sorriso cínico, claramente surpreso ao vê-lo.

“Nunca pensei que você viria me procurar, Charlie,” disse Gustavo, sem cerimônia. “Um padre pedindo ajuda para um pecador. Que ironia.”

“Preciso de sua ajuda, Gustavo,” respondeu Charlie, ignorando o tom provocador. “Uma mulher está em perigo. Clara. Ela se envolveu com pessoas perigosas, e a situação pode se tornar irreversível. Não sei o que fazer, mas não posso deixá-la à própria sorte.”

Gustavo o observou por um momento, avaliando a seriedade do pedido. “Muito bem,” disse finalmente. “Eu posso tentar descobrir algo sobre esses homens e a dívida. Mas vou te avisar, Charlie: não há garantias de que eu possa resolver isso pacificamente. E, quando lidamos com esse tipo de gente, geralmente as coisas pioram antes de melhorar.”

O padre assentiu, ciente do risco, mas determinado a fazer o que fosse preciso. “Qualquer coisa que puder fazer já será melhor do que nada.”

Enquanto Gustavo iniciava sua investigação, Charlie voltava à paróquia, tentando manter a rotina de celebrações e atendimentos, mas a mente constantemente vagava para o perigo que rondava Clara. Nos dias que se seguiram, ele percebeu que seu envolvimento com ela ia além do dever. Não era apenas a compaixão que o movia, mas um sentimento mais complexo, que ele relutava em nomear.

Finalmente, depois de quase uma semana de espera angustiante, Gustavo apareceu na igreja. Trouxe informações preocupantes: os homens que ameaçavam Clara eram conhecidos por cobrar dívidas com violência e não hesitariam em fazer dela um exemplo se não recebessem o que queriam.

“A situação é mais grave do que eu pensava,” disse Gustavo. “Eles estão monitorando os passos dela. Não vai demorar para encontrarem o esconderijo.”

As palavras de Gustavo caíram sobre Charlie como um fardo esmagador. Sentiu-se incapaz de respirar por um momento, como se o peso do que estava em jogo fosse demais para suportar. Ele sabia que não havia tempo a perder. Tinha de tomar uma decisão.

“Então, vamos tirá-la de lá,” disse ele, com uma determinação que surpreendeu até a si mesmo.

“Você está falando sério, Charlie?” Gustavo o encarou com ceticismo. “Você não é exatamente o tipo de pessoa preparada para esse tipo de ação.”

“Talvez não,” respondeu o padre, com um olhar firme. “Mas vou fazer o que for preciso para mantê-la segura.”

Assim, o caminho que se desenhava para Padre Charlie não era apenas uma missão para salvar Clara. Era uma jornada ao encontro de si mesmo, uma descida ao abismo onde ele teria de confrontar seus próprios demônios e decidir até onde estava disposto a ir. O amanhecer traria consigo mais do que a luz do dia – traria uma nova prova de fé, ou a queda definitiva na escuridão.

Entre o Céu e o Inferno| FATHER CHARLIEOnde histórias criam vida. Descubra agora