O Peso da Escolha

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Capítulo 20:

O amanhecer trouxe consigo um céu nublado, uma névoa densa que pairava sobre a cidade, como se o próprio clima refletisse a inquietação que se apoderava de mim. O toque do sino da igreja ecoava pela praça, anunciando o início das missas matinais. Enquanto me vestia, cada movimento parecia pesar mais do que o normal, e o simples ato de abotoar minha camisa era carregado de uma sensação de cansaço que ia além do físico. O que Clara havia dito na noite anterior não saía da minha cabeça. Suas palavras, afiadas como lâminas, cortaram fundo, atingindo um ponto que eu lutava para proteger de qualquer maneira.

A missa começou com a mesma rotina de sempre. Os fiéis enchiam os bancos da igreja, e eu os conduzia pelas orações e cânticos, tentando manter o tom de voz firme, como se não houvesse nada de errado. Mas, por dentro, era uma luta constante contra os pensamentos que me assaltavam. Cada vez que fechava os olhos em oração, via o rosto de Clara; ouvia sua voz, sentia a dor e o desafio por trás de suas palavras.

Quando a cerimônia chegou ao fim, cumprimentei os paroquianos com um sorriso forçado e comecei a preparar a igreja para a próxima missa. Foi então que a vi, parada próxima à entrada. Clara não fazia questão de se esconder, como se quisesse deixar claro que estava ali, que não iria embora sem ter uma resposta. Sua expressão era calma, mas havia uma intensidade em seu olhar que me dizia que a conversa de ontem não tinha acabado.

Esperei que o último dos fiéis saísse para caminhar em sua direção. "Clara, eu pensei que já tínhamos dito tudo o que precisava ser dito."

Ela ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços. "Dissemos? Porque, pelo que me lembro, só eu falei. Você, como sempre, se escondeu atrás dos seus votos."

Seu tom era desafiador, e aquilo me atingiu como uma bofetada. Eu queria dizer algo que pusesse um fim àquele confronto, algo que reafirmasse o que eu acreditava ser a coisa certa, mas as palavras simplesmente não vieram. Então, me voltei para o altar, como se buscar alguma tarefa para me ocupar pudesse me distrair do fato de que, por mais que tentasse, não conseguia me afastar dela.

"Clara, eu não sei o que você espera que eu faça. Não posso simplesmente… abandonar tudo." Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia, quase como um sussurro.

Ela se aproximou, parando a poucos passos de mim. "Não estou pedindo que você abandone nada, Charlie. Só estou pedindo que seja honesto. Comigo, e com você mesmo. Que pare de fingir que não sente nada, de agir como se eu fosse apenas uma tentação que precisa superar." Ela tocou meu braço, e o calor de sua mão sobre a minha pele me fez estremecer. "Eu só quero saber se, em algum momento, você sentiu o mesmo que eu sinto."

As palavras dela pairaram no ar, carregadas de uma sinceridade dolorosa. Queria negar, queria dizer que tudo não passava de uma ilusão de sentimentos, mas meu coração traía minhas intenções. A verdade é que eu sabia que sentia. Sempre soube. Desde o momento em que nossos olhares se cruzaram pela primeira vez, algo em mim havia mudado. Mas admitir isso seria aceitar que eu falhara. Que eu não fora forte o suficiente para resistir à tentação.

"Clara, você não entende…" Tentei encontrar as palavras certas, mas cada uma parecia mais vazia do que a outra. "O que eu fiz... Os votos que eu fiz não são algo que posso simplesmente ignorar. Não se trata só de nós dois, mas de tudo o que acredito. Tudo que eu dediquei minha vida para seguir."

Ela riu, uma risada seca e sem alegria, que ressoou pelo salão da igreja. "Então é isso? Você vai continuar se escondendo atrás de palavras e obrigações, como se o amor fosse algo que pudesse ser controlado por um juramento? Como se, só porque vestiu essa batina, você estivesse imune ao que sente?" O olhar dela se estreitou, e vi as lágrimas começando a brilhar em seus olhos. "Eu estou cansada de lutar contra algo que você se recusa a aceitar. Cansada de ser sempre a culpada, a tentação que precisa ser exorcizada da sua vida."

As palavras dela cortaram fundo. Eu sentia meu controle escorregar lentamente por entre meus dedos. As paredes da igreja pareciam se fechar ao meu redor, sufocando-me. O conflito dentro de mim crescia a cada segundo, até que, sem conseguir me conter, dei um passo para trás, como se me afastar fisicamente dela pudesse me proteger da verdade que me cercava.

"Eu não posso, Clara." Minha voz saiu trêmula, quase inaudível. "Eu não posso te dar o que você quer. E se você não pode aceitar isso, então talvez… talvez seja melhor você ir embora."

Por um momento, o silêncio se instalou entre nós. Eu vi o choque atravessar o rosto dela, seguido pela dor, e por fim, pela raiva. Ela cerrou os dentes, os olhos ardendo de frustração. "Então é isso? Você prefere viver preso a uma promessa que te destrói por dentro, a ser feliz ao meu lado?" Ela fez uma pausa, sua voz quase um sussurro. "A escolha é sua, Charlie. Mas saiba que, se eu sair por essa porta hoje, não haverá volta. Não vou ficar me machucando por alguém que tem medo de me amar."

Ela se virou e começou a caminhar em direção à saída. Meu corpo inteiro se contraiu, uma vontade quase insuportável de correr até ela e puxá-la de volta tomou conta de mim, mas meus pés estavam colados ao chão. Eu a observei se afastar, e cada passo que ela dava parecia rasgar algo dentro de mim. Quando a porta finalmente se fechou atrás dela, o som ecoou pelo salão vazio, como um aviso sombrio de que eu talvez tivesse acabado de perder a única pessoa que poderia me fazer realmente feliz.

O silêncio que se seguiu era opressivo. A igreja, que sempre fora meu refúgio, agora parecia um lugar estranho e vazio. Caí de joelhos, encarando o altar, tentando encontrar algum alívio nas orações, mas as palavras que saíam de meus lábios pareciam frias e distantes. O peso da escolha que fizera recaiu sobre meus ombros, mais opressor do que qualquer culpa que já havia sentido antes.

Enquanto o tempo passava, permaneci ali, ajoelhado diante do altar, esperando por uma resposta que eu sabia que não viria. Por mais que buscasse um sinal, tudo que restava era o eco do silêncio, um vazio imenso que nenhuma oração conseguia preencher.

E pela primeira vez em muitos anos, senti o desespero invadir meu coração, deixando-me sem rumo. A verdade era dolorosa e implacável: eu havia feito minha escolha, e talvez, no final das contas, tivesse escolhido o caminho errado.

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Tadinha ela não cansa de ir atrás do querido e ser rejeitada, fala que nunca mais vai voltar e sempre volta , parece até eu

Entre o Céu e o Inferno| FATHER CHARLIEOnde histórias criam vida. Descubra agora