O Veneno Do Ciúme

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Capítulo 7:

Era uma noite fria e silenciosa. Padre Charlie havia decidido dar uma volta para clarear a mente, acreditando que o ar fresco poderia dissipar o turbilhão de pensamentos que o atormentava. A cidade estava tranquila, as ruas desertas e a iluminação das lâmpadas espalhando um brilho fraco, que mal conseguia penetrar a escuridão. Ele caminhava sem rumo, como se buscasse algo que nem ele mesmo sabia o que era.

Seus passos o conduziram a um pequeno parque, um lugar que ele costumava frequentar quando precisava refletir. Ali, cercado pelas sombras das árvores e pelo som distante de grilos, ele sentia uma estranha paz. No entanto, quando estava prestes a se sentar em um banco de madeira, algo chamou sua atenção. Havia movimento na penumbra mais adiante, próximo a um canto discreto do parque.

A princípio, ele não deu muita importância, mas, ao se aproximar, o que viu fez seu coração parar por um instante. Clara estava lá, aos beijos com outro homem. A cena o atingiu como um soco no estômago. O corpo do padre congelou, os olhos fixos no casal. O homem, que aparentava ter a mesma idade que Charlie, segurava o rosto de Clara com uma intimidade que ele jamais havia experimentado.

Um sentimento avassalador começou a surgir em seu peito. Não era apenas a dor de vê-la com outro, mas algo muito mais sombrio e inesperado: ciúme. Um ciúme ardente que queimava como veneno em suas veias, traindo tudo o que ele acreditava ser capaz de sentir. Naquele momento, a máscara de serenidade que ele mantinha começou a desmoronar, e o desejo proibido que ele vinha tentando reprimir explodiu em sua mente.

Sem pensar, ele deu um passo à frente, a vontade de interromper a cena tomando conta de suas ações. Mas, antes que pudesse fazer algo, o bom senso o fez parar. Quem era ele para interferir? O que poderia dizer ou fazer? Era um padre, um homem que havia jurado celibato e dedicação a Deus. Não tinha nenhum direito sobre Clara, e ainda assim, ali estava ele, tomado por uma emoção incontrolável, como se ela pertencesse a ele de alguma forma.

Ele sentiu a raiva borbulhar em seu interior, não apenas pelo homem que beijava Clara, mas também por ela, por provocá-lo mesmo que sem saber, por despertar nele aquilo que ele tanto temia enfrentar. E, acima de tudo, sentia raiva de si mesmo, por ser tão fraco, por não conseguir sufocar o que agora parecia impossível de negar.

Sem ser notado, Charlie se afastou, seus passos rápidos e irregulares ecoando pelo chão de pedras do parque. Ele tentou controlar a respiração, mas o peito parecia apertado, como se o ar lhe faltasse. Em sua mente, as imagens de Clara nos braços de outro homem se repetiam incessantemente, como uma tortura que ele não podia evitar.

De volta à paróquia, Charlie entrou apressadamente na igreja vazia e fechou a porta com força. Caminhou até o altar, onde caiu de joelhos, as mãos trêmulas segurando o crucifixo pendurado em seu peito. Ele começou a rezar, mas as palavras saíam desconexas, perdidas em meio à agitação de sua mente.

“Senhor, ajuda-me...” sussurrou ele, quase sem voz. “Afasta de mim esses pensamentos, esses sentimentos que me consomem...”

Porém, mesmo enquanto implorava por ajuda divina, sentia que algo havia mudado irrevogavelmente dentro dele. O ciúme que o invadira não era apenas uma reação momentânea, mas um sinal de que seus sentimentos por Clara eram mais profundos do que ele queria admitir. As barreiras que havia erguido entre sua devoção e seus desejos estavam se rompendo, e ele não sabia como consertá-las.

Enquanto lutava para recuperar o controle, o eco da cena que presenciara no parque continuava a atormentá-lo. Cada vez que fechava os olhos, ele via Clara nos braços daquele homem, e uma parte de si desejava ser ele. O conflito em seu interior havia deixado de ser uma luta silenciosa; agora era um grito desesperado por algo que ele não sabia como lidar.

Padre Charlie passou a noite em claro, os olhos fixos no crucifixo à sua frente. Ele sabia que o amanhecer não traria respostas, e que, ao contrário, cada dia que passava tornava seu dilema mais insuportável. A fé, que sempre fora seu refúgio, parecia incapaz de salvá-lo de si mesmo. E, quanto mais ele tentava afastar Clara de seus pensamentos, mais ela se tornava parte dele.

Entre o Céu e o Inferno| FATHER CHARLIEOnde histórias criam vida. Descubra agora