Provocações e Desafios

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Capítulo 17:

Desde o incidente na igreja, os dias se arrastavam com um peso sufocante. O beijo de Clara, aquele instante de rendição, havia se cravado em minha memória como uma marca indelével. Passei horas rezando, buscando a misericórdia divina, tentando afastar a culpa e o desejo que lutavam pelo controle da minha mente. Contudo, quanto mais eu me esforçava para esquecer, mais Clara se fazia presente em meus pensamentos.

Em uma tarde abafada, enquanto arrumava os objetos da sacristia, ouvi um bater discreto na porta. Quando abri, meu coração acelerou: era ela, com um sorriso insinuante no rosto e um brilho provocativo no olhar.

"Padre Charlie," ela disse com uma voz suave, mas carregada de intenções ocultas. "Você tem um momento para mim?"

Minha garganta secou, e por um instante não encontrei palavras. "Clara, agora não é um bom momento. Acho que deveríamos..."

Ela não esperou que eu terminasse. Com passos decididos, entrou e fechou a porta atrás de si. "Temos, sim, algo para conversar," afirmou, a voz baixa e sedutora. "Afinal, aquele beijo… você não pode simplesmente ignorar o que aconteceu."

Tentei manter a compostura, afastando-me um pouco para criar distância entre nós. "Foi um erro. Um momento de fraqueza que não deve se repetir."

"Um erro?" Clara arqueou uma sobrancelha e deu um passo à frente, encurtando o espaço entre nós. "Ou talvez tenha sido a coisa mais verdadeira que já aconteceu com você. Diga-me, Charlie, quando foi a última vez que sentiu algo tão real?" Ela estendeu a mão e deslizou os dedos levemente pelo meu braço, como se testando minha resistência.

Senti meu corpo enrijecer sob o toque, a pele formigando com um calor que eu não queria admitir. "Você não entende… Eu fiz votos. Minha vida é dedicada a Deus. Eu não posso…"

Ela interrompeu, aproximando-se mais, seus lábios a poucos centímetros dos meus. "Então me diga, padre, quando está sozinho, é Deus que ocupa seus pensamentos? Ou sou eu?" Seus olhos pareciam perfurar minha alma, me desafiando a responder com a verdade que eu tentava desesperadamente negar.

Afastei-me abruptamente, tentando quebrar o feitiço que ela lançava sobre mim. "Isso precisa parar, Clara. Você está brincando com algo sagrado."

"Brincando?" Ela riu baixinho, um som quase amargo. "Você acha que estou brincando, Charlie? Eu sei o que quero. E sei que você também me quer, por mais que tente esconder. É medo? Ou talvez seja o desejo de manter as aparências para os outros?" Ela deu mais um passo à frente, encurralando-me contra a parede.

"Você é arrogante demais," murmurei, tentando soar firme. "Isso não é sobre o que você quer, ou o que eu possa querer. É sobre o que é certo."

Ela balançou a cabeça lentamente, os lábios se curvando em um sorriso desafiador. "Você realmente acredita que a vontade de Deus é que você viva aprisionado em uma vida que não lhe permite ser quem você é? Ou será que você escolheu esse caminho para fugir dos seus próprios desejos?"

Cada palavra dela era uma faca que cortava através das minhas defesas. Eu queria negar, queria dizer que estava errado, que minha vida de fé era uma escolha consciente e não uma fuga. Mas a maneira como Clara me olhava, como se enxergasse através de todas as minhas máscaras, me deixava incapaz de falar.

Ela levantou uma das mãos e, com delicadeza, segurou meu rosto, os dedos traçando uma linha suave pela minha barba. "Você não precisa resistir a mim, Charlie," sussurrou, seus lábios quase roçando os meus. "Você não é feito só de fé. Há um homem aqui. Um homem que deseja, que sente, que ama… E você merece viver essa parte de si."

Eu fechei os olhos, lutando contra o impulso de ceder, de corresponder ao toque dela. A voz da razão e da fé dentro de mim se tornava cada vez mais fraca, enquanto o desejo por ela ganhava força. Mas então, com um esforço tremendo, desviei o rosto e me afastei dela.

"Isso tem que parar," eu disse com firmeza, minha voz tremendo levemente. "Você precisa ir embora, Clara. Não volte mais aqui."

Ela ficou em silêncio por alguns instantes, a intensidade em seu olhar não diminuindo. "Você pode me mandar embora, Charlie. Mas não pode me tirar de dentro de você. Não pode fugir do que sente."

Com essas palavras, virou-se e saiu, fechando a porta atrás de si. Fiquei parado por um momento, o quarto ao meu redor parecia ter se tornado pequeno e sufocante. Caí de joelhos, tentando encontrar consolo em uma oração que saía vacilante dos meus lábios, enquanto o peso do desejo e da culpa se fundiam em um turbilhão insuportável dentro de mim.

Entre o Céu e o Inferno| FATHER CHARLIEOnde histórias criam vida. Descubra agora