Capítulo 19:
A noite caía, e o céu tingia-se de um roxo profundo, com as primeiras estrelas surgindo no horizonte. Caminhei pela cidade quase sem rumo, perdida em meus próprios pensamentos. A cada passo que dava, sentia o coração bater forte no peito, um misto de raiva e tristeza que eu não conseguia afastar. As palavras que troquei com Charlie na igreja ainda ecoavam em minha mente, repetindo-se como um disco arranhado, trazendo de volta a dor de ser sempre colocada em segundo plano.
Eu sabia que estava certa em confrontá-lo. Há muito tempo, sentia-me presa em uma espécie de limbo, onde as esperanças e frustrações se misturavam a cada encontro, a cada olhar furtivo, a cada palavra dita com o pesar de quem sabe que algo mais deveria ser dito. Não podia continuar vivendo assim, fingindo que a dor não existia, que o desejo que eu sentia por ele era algo que poderia ser facilmente ignorado. Não era justo comigo, e muito menos com ele.
Parei em frente a um pequeno parque vazio, sentando-me em um banco desgastado pelo tempo. O vento frio da noite tocou meu rosto, trazendo uma leve sensação de alívio, mas a agitação dentro de mim era difícil de acalmar. Fechei os olhos, tentando afastar as lágrimas que ameaçavam cair. Tudo que eu queria era que ele tivesse a coragem de se arriscar, de me escolher de verdade, mas parecia que os muros que ele havia construído ao redor de si eram mais altos do que eu podia transpor.
Desde que nos conhecemos, algo em Charlie me fascinou. Talvez fosse o contraste entre o homem e o padre; a serenidade com que ele conduzia a missa e a intensidade que via em seus olhos quando me olhava. Sempre soube que havia mais nele do que a batina deixava transparecer. Havia um fogo ali, uma paixão que ele tentava, desesperadamente, sufocar. E, por algum tempo, eu aceitei ser apenas a faísca que o fazia vacilar. Mas não mais. Hoje, na igreja, eu havia lhe dado um ultimato. Sabia que estava arriscando tudo, que ele poderia simplesmente decidir me afastar de sua vida para sempre, mas preferia essa dor do que a agonia de viver em incerteza.
Eu me levantei do banco e comecei a caminhar de volta para casa. A cada passo, tentava convencer a mim mesma de que fizera o certo. Não era eu que precisava mudar ou abrir mão dos meus sentimentos; era ele quem precisava aceitar os dele. Mas mesmo com essa certeza, sentia uma parte de mim temerosa, uma voz silenciosa que sussurrava o que eu mais temia: e se ele realmente me deixasse? E se eu nunca mais o visse?
Esses pensamentos me acompanharam até a porta de casa, onde entrei e fechei a porta atrás de mim com força, como se estivesse tentando barrar a angústia de me seguir. A casa estava silenciosa, e o vazio fazia o ambiente parecer mais frio e distante. Caminhei até o quarto e me joguei na cama, o corpo exausto, não pelos passos dados, mas pelo turbilhão de emoções que me corroía por dentro.
Enquanto encarava o teto, me peguei recordando os momentos que compartilhamos. As conversas discretas, os olhares trocados que diziam mais do que qualquer palavra poderia expressar. Lembrei-me do dia em que o vi pela primeira vez, com aquela expressão calma e distante que ele sempre carregava. Não demorou muito para perceber que havia algo além daquela serenidade. Ele tentava esconder, mas eu via. Via como seus olhos me seguiam pela igreja, como a voz dele vacilava levemente quando falava comigo. Havia uma conexão, algo que nos unia e que não podia ser negado.
Mas por mais que eu quisesse acreditar nisso, não podia ignorar o fato de que ele sempre recuava. Era como se, toda vez que chegávamos perto demais, ele construía uma nova barreira, mais alta e mais forte do que a anterior. E a cada vez, eu me via diante dela, tentando escalá-la, mas me cansando a cada tentativa. Hoje, senti que havia alcançado o meu limite. Não podia mais continuar batendo em uma porta que ele insistia em manter fechada.
Rolei na cama, abraçando o travesseiro com força, como se ele pudesse me confortar. Era difícil admitir, mas havia uma parte de mim que ainda tinha esperança. Esperança de que Charlie, no último momento, mudasse de ideia. Que ele corresse atrás de mim, que aparecesse na minha porta e me dissesse que estava pronto para me escolher, para escolher a vida que poderíamos ter juntos. Mas quanto mais eu pensava nisso, mais parecia apenas um sonho distante, uma fantasia que eu alimentava para não enfrentar a realidade de que talvez ele nunca fosse capaz de me dar o que eu precisava.
A madrugada avançava e eu não conseguia dormir. Levantei-me e caminhei até a janela, olhando para o céu pontilhado de estrelas. Respirei fundo, sentindo o ar frio entrar em meus pulmões e, por um momento, tentei me convencer de que, não importasse o que acontecesse, eu ficaria bem. Eu era forte, sempre fui, e não seria a rejeição de Charlie que me quebraria. Mas, ao mesmo tempo, sabia que a marca dele em mim não desapareceria facilmente. Ele havia se tornado parte de mim de uma forma que eu não sabia se seria capaz de desfazer.
Finalmente, voltei para a cama, o corpo exausto e a mente ainda cheia de pensamentos dispersos. Deitei-me de lado, fechando os olhos, enquanto uma lágrima solitária escorria pelo meu rosto. Fosse qual fosse o futuro que me aguardava, sabia que precisaria ser corajosa. E se Charlie escolhesse me deixar para trás, eu teria que seguir em frente. Mesmo que a parte de mim que o amava nunca desaparecesse completamente.
Naquela noite, entre a vigília e o sono, fiz uma promessa a mim mesma. Não iria mais esperar por ele. Se Charlie quisesse me ter em sua vida, ele precisaria lutar por isso. Eu merecia alguém que me escolhesse de verdade, que não hesitasse diante de seus sentimentos. E, se ele não fosse capaz disso, eu aprenderia a seguir em frente. Por mais doloroso que fosse, eu encontraria uma forma de me libertar desse amor não correspondido.
A madrugada ainda era longa, e eu tinha muito tempo para pensar no que o amanhã traria. Mas, pelo menos por agora, estava disposta a enfrentar o que viesse. Seja a dor do adeus ou a esperança de um recomeço.
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Entre o Céu e o Inferno| FATHER CHARLIE
Roman d'amourPadre Charlie vive uma vida devota, dedicada à fé e ao serviço de sua paróquia, até que conhece Clara, uma mulher sedutora e envolvente que desperta nele sentimentos proibidos. Enquanto luta para reprimir o desejo, ele descobre que Clara está envolv...