Capítulo 8:
Na manhã seguinte, Padre Charlie se levantou exausto, como se a noite sem descanso tivesse drenado toda a sua energia. Ainda assim, sentia um impulso crescente de enfrentar Clara, de tentar entender o que estava acontecendo consigo e com ela. Talvez confrontá-la ajudasse a dissipar a confusão em sua mente ou, pelo menos, a trazer alguma clareza para o turbilhão de emoções que o invadia.
No final da tarde, ele a viu caminhando em direção à igreja, como se pressentisse sua chegada. Clara entrou no local com passos leves, e o ambiente tranquilo da paróquia parecia de algum modo se alterar com sua presença. Havia algo em seu semblante, uma mistura de serenidade e desafio que sempre mexia com ele. Sem hesitar, Charlie se aproximou.
"Clara," chamou ele, a voz grave, carregada de um tom que ela não ouvira antes. "Precisamos conversar."
Ela se voltou para ele, surpresa pela intensidade no olhar do padre. "Sobre o que, Padre? Você parece perturbado."
"Perturbado?" ele repetiu, com um amargor que não conseguia esconder. "Ontem à noite, eu a vi com outro homem. No parque." Ele fez uma pausa, tentando controlar a raiva que se infiltrava em suas palavras. "Estava aos beijos com ele."
Clara o encarou, e um sorriso lento surgiu em seus lábios. "E o que isso tem a ver com você, Padre? Por que isso o incomoda tanto?" Sua voz era suave, mas carregada de ironia, como se estivesse testando os limites dele.
Charlie deu um passo para mais perto, sem se dar conta de que sua expressão traía o conflito que sentia. "Eu sou um homem de fé, Clara," disse ele, quase como se estivesse tentando convencer a si mesmo. "E o que sinto... não deveria sentir." A última parte saiu quase num sussurro, como se confessasse um pecado.
"Então você admite que sente algo?" Clara respondeu, levantando uma sobrancelha, desafiadora. "Você finalmente admite que não é feito de pedra, que por trás desse colarinho existe um homem de carne e osso?"
Ele desviou o olhar, tentando evitar a intensidade do olhar dela. "Não se trata disso," começou a dizer, mas a voz falhou. "Trata-se de minha vocação. Minha vida é dedicada a Deus, e esses sentimentos... não têm lugar nela."
"Você realmente acredita que pode simplesmente ignorar o que sente?" Clara aproximou-se mais, os olhos brilhando com uma mistura de compaixão e desafio. "Pode continuar fingindo que nada está acontecendo, que essa... luta que vejo em você é apenas uma fase? Ou você teme admitir que a fé, por mais forte que seja, não pode sufocar um desejo verdadeiro?"
O peito de Charlie parecia apertado, como se cada palavra dela o levasse a um ponto sem volta. "O que você quer de mim, Clara?" perguntou ele, a voz tremendo. "Por que continua me provocando? É como se... estivesse tentando me fazer cair."
Ela balançou a cabeça lentamente. "Não é isso," disse, com uma doçura que o desarmou. "Eu só quero que você seja honesto consigo mesmo. Porque sei que está sofrendo, e sei que isso é mais do que um mero capricho. Talvez você tenha me salvado uma vez, mas quem vai salvá-lo de si mesmo?"
Aquelas palavras o atingiram como um golpe. Clara se aproximou ainda mais, e, por um momento, parecia que ele iria ceder, que iria confessar tudo o que estava reprimindo. Mas, em vez disso, ele deu um passo para trás, como se precisasse se afastar do perigo que ela representava.
"Eu não posso," murmurou, balançando a cabeça. "Não posso ceder a isso. Minha fé... é tudo o que eu tenho. Sem ela, sou apenas um homem comum. E você não entende o que significa sacrificar tudo pelo amor a Deus."
"Você está tão certo de que não vale a pena arriscar?" perguntou Clara, e sua voz soava quase melancólica. "Talvez o verdadeiro sacrifício seja deixar de viver para se prender a uma imagem de perfeição que você nunca vai alcançar."
O silêncio que se seguiu foi pesado. Charlie sabia que havia verdade nas palavras dela, mas não conseguia aceitar essa verdade sem sentir que estava traindo a própria essência. Antes que pudesse responder, Clara o olhou uma última vez e se afastou, saindo da igreja com passos leves, deixando para trás uma sensação de vazio.
Charlie permaneceu parado, o som de seus próprios pensamentos mais alto do que qualquer oração que pudesse recitar. Ele sabia que o conflito dentro dele não havia terminado. Pelo contrário, parecia estar apenas começando. O ciúme e o desejo eram apenas parte de uma luta mais profunda: a de reconhecer que, talvez, sua fé e seus sentimentos por Clara não fossem forças opostas, mas facetas de uma verdade que ele ainda não estava preparado para aceitar.
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Entre o Céu e o Inferno| FATHER CHARLIE
RomancePadre Charlie vive uma vida devota, dedicada à fé e ao serviço de sua paróquia, até que conhece Clara, uma mulher sedutora e envolvente que desperta nele sentimentos proibidos. Enquanto luta para reprimir o desejo, ele descobre que Clara está envolv...