O Silêncio Pactuado

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Capítulo 14:

O retorno de Charlie e Clara ao vilarejo foi marcado por uma tranquilidade incomum, como se a realidade anterior, com todo o seu perigo e tensão, não passasse de uma lembrança distante. A rotina cotidiana voltou a se estabelecer, com Charlie retomando suas funções na igreja e Clara voltando à sua vida com o máximo de normalidade que conseguia fingir.

Havia um acordo não declarado entre eles: não falar sobre o que havia acontecido. Era como se, ao evitar o assunto, pudessem selar aquela experiência em uma caixa trancada, de onde nunca escaparia para assombrá-los. Toda vez que seus olhares se encontravam, uma compreensão silenciosa passava entre os dois, mas não se permitiam ir além disso. As palavras pareciam perigosas demais, capazes de quebrar o frágil equilíbrio que tinham conquistado.

Charlie mergulhava em suas tarefas na paróquia com uma dedicação renovada, talvez até excessiva. Qualquer momento livre era preenchido com orações, visitas às casas de fiéis ou a preparação dos sermões. Ele acreditava que, se se ocupasse o suficiente, poderia esquecer a agitação que Clara trouxera à sua vida e aos seus pensamentos. Contudo, ele não conseguia evitar pensar nela de tempos em tempos, questionando-se sobre como estava lidando com tudo aquilo.

Clara, por sua vez, também tentava se afastar do passado recente. Ela voltou a trabalhar em um pequeno armazém próximo à sua casa, onde ajudava na organização e venda de mercadorias. Tentava sorrir para os clientes, manter uma fachada de normalidade, mas por dentro, sentia-se constantemente no limite. À noite, quando o silêncio preenchia os cômodos de sua casa, era difícil afastar os pensamentos sobre os eventos que quase a levaram à morte e, mais ainda, sobre o padre que havia se tornado uma presença constante em sua mente.

Embora se evitassem ao máximo fora das formalidades da igreja, havia um dia na semana em que se viam inevitavelmente: o domingo. Durante a missa, Clara se sentava no fundo da igreja, onde assistia a Charlie pregar com uma fervor renovado, como se ele próprio estivesse em busca de redenção. Sempre que ele falava sobre pecado, perdão ou redenção, Clara sentia uma inquietação no peito, como se as palavras fossem direcionadas para ela, mesmo que ele nunca mencionasse seu nome.

Certa manhã de domingo, após o término da missa, Charlie encontrou Clara nos jardins da igreja. Ela estava sentada em um banco, observando as flores que cresciam ao redor. Havia algo melancólico em sua postura, e ele hesitou por um momento antes de se aproximar.

“Clara, você está bem?” perguntou ele, sem saber exatamente o que queria dizer. Havia um peso em suas palavras, uma tentativa de mostrar preocupação, mas também de manter distância.

Ela ergueu os olhos e forçou um sorriso. “Estou, sim. Só precisava de um pouco de ar fresco antes de voltar para casa.”

Ele se sentou ao lado dela, um silêncio desconfortável se instalando entre os dois. Era a primeira vez em semanas que ficavam sozinhos e próximos assim. Charlie sentia o peso da tensão entre eles, como se cada palavra tivesse o potencial de desenterrar tudo o que tentavam enterrar.

"Eu percebi que você tem evitado os outros," comentou ele com cautela. "Tem saído mais cedo do trabalho, e os paroquianos mencionaram que não a veem com frequência."

Clara deu de ombros, mantendo os olhos fixos no jardim. "Tenho tentado me recuperar... encontrar um pouco de paz."

“Eu entendo,” respondeu ele, sabendo que não era uma explicação completa, mas também sem saber como pressioná-la. “Se precisar de algo, estou aqui. Sempre estarei.”

Ela finalmente olhou para ele, com uma mistura de tristeza e gratidão nos olhos. “Eu sei, Charlie. E é exatamente por isso que… acho melhor não voltarmos a falar sobre o que aconteceu. É um capítulo que precisa ser fechado, para o bem de ambos.”

Ele assentiu lentamente. “Concordo. Às vezes, é melhor deixar o passado onde pertence.”

Por um momento, parecia que o silêncio se tornaria uma barreira permanente entre eles, mas Clara, incapaz de conter um impulso, rompeu o acordo silencioso que haviam estabelecido. “Mas... você não sente que algo mudou? Que, apesar de termos voltado às nossas vidas normais, algo dentro de nós não é mais o mesmo?”

Charlie virou o rosto para ela, o olhar intenso. “Mudamos, sim. E é inevitável que isso nos afete. Mas não podemos permitir que isso defina quem somos daqui em diante. Devemos encontrar uma maneira de seguir em frente.”

Clara desviou o olhar, lutando contra a vontade de expressar todos os pensamentos que a perturbavam. “Talvez seja o que temos de fazer, mas isso não torna as coisas mais fáceis,” murmurou ela. “Não quando eu continuo pensando em tudo... e em você.”

Charlie sentiu o coração bater mais rápido ao ouvir aquelas palavras. Parte dele queria responder, abrir o próprio coração e confessar o turbilhão de sentimentos que tentava esconder. Mas o peso de sua devoção, de seu compromisso com a vida religiosa, o fazia se conter. Ele sabia que se cruzasse aquela linha, não haveria retorno.

"Clara, nós fizemos um pacto, mesmo que não com palavras," disse ele, a voz baixa e carregada de contenção. "Decidimos seguir em frente, e é isso que precisamos fazer. Por mais difícil que seja, temos que esquecer. Deixar para trás."

Ela o olhou por um longo momento, e o silêncio entre eles parecia transbordar de tudo o que não era dito. "Sim, é o que temos de fazer," concordou, mas o brilho em seus olhos denunciava que talvez ela não conseguisse cumprir esse pacto tão facilmente.

Após aquele encontro, ambos tentaram cumprir o acordo silencioso com ainda mais empenho. Charlie se afundava em suas obrigações na paróquia, pregando com fervor sobre a importância de se libertar dos fardos do passado. Clara, por sua vez, continuava sua rotina no armazém, mas seus pensamentos frequentemente a levavam de volta àquele banco no jardim da igreja, onde os sentimentos que compartilhavam permaneciam aprisionados.

Ambos sabiam que estavam andando sobre gelo fino, fingindo que as rachaduras não estavam lá. O silêncio pactuado continuava a guiá-los, mas a qualquer momento, poderia se romper, e a avalanche de emoções não resolvidas finalmente os alcançaria.

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Ah gente mas no próximo capítulo a Clara vai tá o próprio Diabo em forma de mulher

Entre o Céu e o Inferno| FATHER CHARLIEOnde histórias criam vida. Descubra agora