Prólogo

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Christopher Uckermann

Faz exatamente três horas que cheguei dos Estados Unidos. Estava em uma conferência quando recebi a ligação do mordomo de meu pai avisando-me que ele tivera outra crise e o seu estado de saúde era delicado, e desta vez ele não quis ir ao hospital, o que me deixou muito preocupado, pois só ficava tranquilo sabendo que ele tinha total assistência caso algo ruim acontecesse, agora estou decidido a voltar de vez para casa, não faz sentido continuar longe dele.

Faz alguns meses que estou entre vindas e idas, Brasil e USA, não é só o cansaço que me forçou a tomar esta atitude, já havia me convencido em desistir de minha pós-graduação em Harvard, farei no Brasil mesmo, apesar de saber que papai será completamente contra, mas na atual conjuntura ele não tem voz altiva, sou eu quem dou as cartas agora, ele é mais importante do que qualquer outra coisa.

Meu pai sofreu um AVC há três meses e desde então seu estado de saúde é delicado, ficava mais tempo no hospital do que em casa, mas nas últimas semanas ele se negou a ser internado.

Tomo um gole do meu copo e me recosto no sofá enquanto o uísque desce suavemente através de minha garganta. Fecho os olhos e deixo o calor do álcool aquecer meu corpo, enquanto continuava inspirando lentamente, como sempre faço todas as vezes que me sinto um pouco angustiado. Uso meus dedos para dedilhar no cristal fino do copo, relaxando a tensão das últimas horas.

Não está sendo fácil.

Não quero admitir, mas temo e algo me diz que papai não ficará muito tempo ao meu lado. E isso está fazendo refletir sobre tudo o que me aconteceu desde que descobri quem era de verdade Victor Manuel Casillas Arias, meu pai. O homem que em sua aparência calma, elegante, dócil e altiva, na verdade vivia uma vida bem peculiar, com regras e princípios rígidos, ele me mostrou e me iniciou em um mundo novo, estranho e excitante, em algumas vezes eu pensei que não conseguiria segui-lo. E desde que mamãe faleceu percorri um longo caminho para ser o que estou sendo hoje.

Eu tinha apenas oito anos de idade quando ela me deixou.

Não que eu tenha sentido muita falta dela. Minha mãe não foi muito presente, vivia mais em um leito de hospital do que ao meu lado, no entanto, eu sabia que ela estava lá e sempre que era permitido eu me deitava ao seu lado e lhe mostrava meus desenhos, eram fracos momentos, mas bem marcantes, esses espelhos vivos que vivia ao lado dela eram suficientes para sentir o calor do seu abraço, beijos e seu sorriso iluminado, apesar de muito pequeno eu me lembro dela, era tão linda, apesar de sua fragilidade, magreza e olheiras profundas. Ela faleceu um pouco antes do meu nono aniversário.

Lembro-me que um dia antes de sua morte ela discutiu com o papai, eu escutei os gritos dele e os lamentos dela, uma das tias me levou para o jardim, ela me abraçou e repetia que tudo ficaria bem.

E nesse mesmo dia fui levado para o quarto dela, foi muito bom e fiquei ao seu lado, até ganhei de presente um lindo avião de controle remoto, eu sei que foi o papai quem o comprou, mas fiquei feliz por saber que ela se lembrou do meu aniversário. E antes do papai vir me buscar, ela me abraçou e sussurrou ao meu ouvido, "sinto muito, filho, perdoe-me, nunca quis esta vida para você", e quando meu pai me tirou de seus braços ela chorava dizendo; "eu tentei, filho, tentei livrá-lo desse peso, juro que tentei". Não entendia o que ela queria dizer com tudo aquilo e até hoje continuo não entendendo, mas ficou marcado em minha memória.

Não vi a mamãe depois disso, nunca mais a vi.

Por alguns meses a casa ficou triste, as duas mulheres que moravam conosco ficaram reclusas em seus quartos, havia vezes que escutava choro, até perguntei por que minhas tias não brincavam comigo, – elas sempre estavam ao meu lado –, eu não entendia por que muitas das vezes o papai dormia em quartos diferentes. Só fui entender sobre isso, quando completei treze anos.

JOGO DA SUBMISSÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora