Para o Meu Próprio Bem

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Contei mais de duas horas desde que entrei nessa maldita cela e não há nem sinal de algum tipo de resgate, quer dizer, em algum momento alguém deveria ter aparecido para me dizer que meu advogado havia chegado ou que, por mais irônico que possa parecer, meus pais estivessem aqui para me ajudar. Não sei por que, mas toda vez que pensava que um deles viria em meu favor um sorriso decepcionado surgia em meus lábios. Era assim tão estúpido esperar algo deles? Eu estou aqui por causa de um deles, aliás, não, estou aqui por ser um deles. Uma Jauregui. O policial pronunciou meu sobrenome com um gosto tão peculiar, quase como se ele estivesse saboreando o poder de seu cargo ao reter alguém como eu. Eis que um mero nome pode ser um verdadeiro fardo a ser carregado. Eis que cá estou eu pagando pelos meus pecados.

Minha mente me manteve bastante distraída todo esse tempo, já que me tomaram absolutamente tudo desde que passei pela porta da delegacia, a única coisa que me restava era minha própria imaginação. Primeiro lá estava Camila, atônita, me olhando partir como se tudo fosse surreal demais para que uma reação fosse demandada. Porém o que me confortou foi seu olhar de medo, ela realmente parecia temer pelo que me aconteceria dali em diante e eu realmente agradecia aos céus por ter sido honesta com ela minutos antes, se não seu olhar poderia ser outro, talvez até de julgamento como todos os outros ao meu redor, até mesmo Oliver.

Ele em particular me deixou intrigada, que diabos ele estava fazendo ali? Será que ele sabia do meu feito? Será que ele sabia dessa prisão? Meu corpo estremeceu com a possibilidade e uma onda gelada correu pela minha espinha me fazendo sair da minha posição despreocupada para algo completamente perturbado. Me coloquei sentada no desconfortável banco de concreto e ofeguei como quem acorda de um pesadelo, diversas perguntas vagavam rapidamente pelo meu pensamento, sem deixar sequer um tempo para que eu as pensasse mais a fundo. Engoli seco quando meu peito começou a se apertar em pressão e o desespero veio com tudo, me encolhi, me abracei e respirei fundo tentando impedi-lo de se manifestar em sua grandiosidade.

- Senhorita - a voz veio pigarreada. Levantei a cabeça, os cabelos tomando a pouca visão que eu tinha do homem largo de uniforme do outro lado da grade - Você já pode fazer sua ligação.

A ligação! Claro. Respirei fundo, me desfazendo lentamente de minha posição e em um pedido interno me coloquei de pé tentando manter a boa postura. Por sorte a dor não se manifestou e logo eu estava recuperada. Joguei os cabelos para o lado com a mão quando o moreno arrastou a grade, seus olhos estavam baixos, diretamente nos meus, havia um certo desgosto neles que me incomodava, mas nada que eu não pudesse retribuir. Ergui uma sobrancelha e esbanjei meu melhor olhar de desdém quando ele pareceu se esquecer de me levar até o maldito telefone.

- Perdeu alguma coisa? - os olhos verdes, pela primeira vez dispersos, voltaram aos meus e então ele se colocou a caminhar.

Atravessamos um longo corredor acinzentado, que mais parecia um caminho para a morte, e de repente o som de teclados, vozes e telefones se juntou a nós. Havia uma passagem para a direita e logo depois dela o tal telefone, um daqueles bem velhos, sujos, desgastados, igual aos que ficavam nas ruas. Me permiti espiar a entrada quando em frente a ela passei e algo em mim se acendeu ao ver Camila sentada, em uma das mesas, coberta por um casaco que, se eu não me engano, era meu e com um olhar perturbado. Havia uma policial em sua frente, ela estava ocupada em um telefonema e deu o espaço perfeito para que nossos olhares se encontrassem. Sua boca se abriu, seus olhos cresceram e ela poderia ter dito qualquer coisa. Poderia ter dito que tudo ficaria bem. Poderia ter gritado meu nome. Poderia ter dito que havia chamado alguém. Poderia não ter dito nada, essa era, na verdade, a opção que eu mais acreditava, mas quando meus olhos notaram o movimentar de seus lábios eu parei meus passos. Ela estava dizendo que me amava. Ali, sentada, aflita, denominada namorada de uma indigente, apenas me assegurando que me amava.

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