Tratamento de Choque

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Mais uma coisa para a minha mente processar durante aquela noite, como se já não me bastassem as intrigas do meu pai e da vero separadamente, agora eles tinham de estar unidos. Vendo-a admitir aquelas coisas, bem ali, na minha frente, mexeu um pouco comigo. Se ela continuava a mesma eu sabia o quão difícil havia sido aquilo, Verônica não era o tipo de pessoa que se dava por vencida ou admitia derrota. Então o que aconteceu bateu de frente com as minhas certezas e as minhas, já formadas, opiniões sobre ela. Seus olhos pareciam sinceros, e geralmente eles são os únicos que não mentem, certo?

Eu odiava isso tudo. Odiava essa vida de desconfianças, esse caminhar precavido que eu tinha que tomar à todo momento; a medição dos passos, das palavras, dos pensamentos, das ações... Se eu soubesse que retornar seria perturbador dessa forma, talvez eu tivesse optado por ficar onde estava. Ri comigo mesma. Minha vida estava mais conturbada do que um hospital psiquiátrico, quão patético era isso? Onde eu errei? Onde? Em que momento eu dei permissão para que o inferno baixasse sobre a terra e me atingisse dessa forma? Eu sei que há pessoas em situações piores, mas eu sinceramente não lembro de ter pedido para nascer, para ser filha dos meus pais ou para ter metade da personalidade que tenho hoje.

Para piorar tudo eu só queria ali comigo a única pessoa da qual eu não tinha certeza se me queria naquele momento. Camila me olhava tão espantada, a feição cheia de incertezas e preocupação. Acho que até um pouco de medo. Eu me condenava mentalmente enquanto meus dedos passeavam por dentro do meu cabelo, separando as mechas e pressionando fortemente o couro. Meu rosto se contorcia em desprezo a cada flash de lembrança que me vinha, era quase torturante.

- Achei que te encontraria aqui. - escutei a voz que se aproximava e nem me dei ao trabalho de lhe entregar meu olhar. Apenas mantive os dois olhos bem apertados assim como os dedos em minha cabeça. - O que achou do meu discurso?

Ele agora estava sentado ao meu lado, eu podia sentir seu perfume e sua presença ali tão próximo.

- Foi bom. - murmurei.

- Bom? Só isso? Eu até citei o seu nome lá, como grande colaboradora na concepção e execução do evento. - Seu tom era divertido, então eu suspeito que ele ainda não saiba do meu pequeno incidente. Deslizei os dedos cabeça à baixo e ergui o corpo, finalmente levando meu olhar ao seu. - Está tudo bem?

- Sim. Me desculpe, eu não pude ouvir todo o discurso.

- Tem certeza que está tudo bem? Seus olhos ficam vermelhos desse jeito quando você está muito brava com alg...

- Por que você tem ajudado a Verônica? - cortei indo direto ao assunto. Depois de tudo, a última coisa que eu queria era enrolação.

Ele mudou de expressão rapidamente, seus olhos saíram dos meus enquanto ele tratava de expirar fortemente o ar dentro de seus pulmões.

- Então você descobriu.

- Não descobri, ela acabou de me contar. Da pior forma possível. - meu tom carregava toda a irritação que eu estava sentindo e, surpreendentemente, ele se mantinha calmo ao meu lado.

- Não é como se eu te devesse satisfação da minha vida, pequena. - ele brincou daquela forma que as pessoas brincam quando querem te contar uma verdade, mas sem machucar tanto.

Cerrei os olhos em sua direção sem acreditar. Ele era simplesmente um poço de incertezas, hora me convencia ter mudado, hora voltava a seu próprio eu.

- Pensei que estivesse querendo ganhar minha confiança. - retruquei ainda desacreditada.

- E estou.

- Trazer minha ex-amiga para Nova Iorque, pagando todas suas despesas e lhe oferecendo emprego na sua empresa, sem ao menos mencionar nada para mim, não ajuda em nada.

RequiemOnde histórias criam vida. Descubra agora