Sem Saber Dizer Não

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Meu corpo se remexeu e um murmúrio escapou meus lábios quando eu me dei conta de que algo atrapalhava minha respiração. Torci o nariz uma, duas, três vezes e não aliviava, foi então que me entreguei à necessidade de abrir os olhos, reclamando mentalmente ter que fazê-lo. Principalmente quando a luz me castigou. Sacudi a cabeça e só então me dei conta dos meus sentidos, notando minha mão fixada a algo e meu braço esmagado sem muita, ou quase nenhuma circulação de sangue.

Era Camila. Seus cabelos estavam emaranhados frente à meu rosto e alguns de seus fios foram responsáveis pelo meu incômodo e despertar. Soltei minha mão do que eu julgava ser o aperto da sua e penteei as mechas cautelosamente com as pontas dos dedos, escutando a mais nova grunhir e afundar o rosto em meu outro braço. Deixei escapar um riso abafado, eu tinha agonia quando roçavam o rosto no meu corpo, principalmente se eu estivesse completamente quieta e absorta de contatos físicos.

- Você não está rindo sozinha, está? - ela grunhiu, quase que indecifravelmente. Aliviei um pouco no nível de cautela dos meus movimentos ao nota-la já quase acordada, e depositei um beijo em seu ombro desnudo, correndo os olhos para baixo logo em seguida pelo seu corpo.

- Você fez cócegas no meu braço, o que é uma coisa boa, porque a julgar pelo meu nível de sensibilidade pensei que ele já estivesse morto - Camila ergueu o corpo, o suficiente para que eu puxasse meu braço debaixo dela e deitou de novo, dessa vez virada de frente para mim.

- Não sei por que você não gosta de dormir de conchinha - seus olhos estavam fechados, mas sua boca não se privavam em me avaliar. Me fez lembrar os não tão velhos tempos nos quais eu me deliciava com as expressões e reações de seu rosto.

Não que eu sinta falta daquela época ao ponto de compara-la negativamente com a de hoje, são sensações diferentes, foram formas de se lidar diferentes, mas eu gostava da pureza de nosso relacionamento. Do encanto dos detalhes que acabam nos fugindo aos olhos quando estamos em situações corriqueiras, o torcer inusitado dos lábios quando algo não lhe parece certo, o sorrir de suas bochechas, a intensidade de sua raiva nas suas linhas de expressão, que meus dedos agora desenhavam carinhosamente. Cada dia era uma nova descoberta minha , algo íntimo ao meus olhos, as sutis e quase imperceptíveis características que a faziam tão única e perfeita.

Meus olhos correram ao encontro dos seus, quando notei seu lábio se curvar em um leve sorriso sem dentes. Ela me observava, talvez tão admirada quanto eu. Era em momentos assim que eu me via duvidosa sobre qual época eu amava mais. A explosão de sentimentos que se dava dentro de mim através da faísca de seu olhar era algo completamente inexplicável. Aquele castanho faminto e delicioso me fazia ir de caça a caçador em frações de segundos. Eu percebi que havia me tornado refém da atenção deles e que estar sob seu agrado me deixava, de certa forma, relaxada.

- O que você está pensando? - ela quebrou o silêncio fazendo de suas mãos um segundo travesseiro sob sua cabeça.

- No quanto eu sou fascinada por você - expressei em meio a um suspiro, meu peito se esvaindo do romantismo exagerado - Eu estava lembrando de quando ficávamos assim antes de você voltar a ver, seus curativos cobrindo os olhos... - meus dedos delineavam os locais ditos e eu a observava fechar os olhos quando por lá eles passaram - Eu te via como uma peça de cristal. Tão frágil e ao mesmo tempo tão forte.

- Com tanta gente no mundo, te querendo, te desejando, te adorando, por que eu? A garota ceguinha e deslocada?

- Porque você me viu. Me viu pelo que eu realmente era e por minha, muito conturbada, essência - trocamos um rápido sorriso - Não vou dizer que me apaixonei à primeira vista, se não fosse por Normani eu nunca teria, sequer, ido me desculpar com você pelo esbarrão. Mas graças a Deus eu fui e me vi intrigada pela última garota que eu daria olhos naquela faculdade.

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