Os Medos de Ontem

16.8K 1.2K 305
                                    

- Camz, vem cá. - peguei sua mão sem dizer mais nada e a arrastei comigo até a primeira sala vazia que encontrei naquele corredor.

- Por que saímos de perto das meninas?

- Porque eu queria falar só com você. Ally e Mani já sabem e provavelmente vão contar pra Dinah.

Sentei na mesa do professor a puxando para perto e organizando meus pensamentos confusos. O que eu deveria fazer? Eu menti e ela provavelmente já tinha me pego na mentira, seria um desperdício e um desgaste tentar continuar com isso agora. Certo?

- Quem você foi buscar ontem a noite? - a pergunta parecia forte e carregada de ciúme, mas sua voz suave fez soar como uma preocupação. Quão perfeita ela poderia ser? Mesmo no erro tentava me entender.

- Uma ex amiga minha. - engoli seco.

- Como alguém pode ser ex amiga de alguém? - ela sorriu me fazendo levantar os olhos para seu rosto. - Ou é ou não é.

- É...

- Complicado. - Camila me antecipou e se aproximou mais de mim colocando minha perna baixa entre as suas e apoiando as mãos em meus ombros. - Não vou mais aceitar seus suspenses, eu quero saber essa história. Você me deve umas três.

Ela fez um bico e eu suspirei me vendo encurralada e sem rota de fuga alternativa. Ela tinha razão, eu precisava me abrir de algum jeito, essas histórias inacabadas estavam começando a sufocar a mim mesma.

- Nem sempre morei aqui em Nova Iorque, eu nasci e fui criada até os meus dezesseis anos em Miami e foi lá que tudo começou. Sabe, meu pai nem sempre foi a pessoa ruim que eu prego que ele seja hoje. Quando eu era pequena me lembro de sempre tirarmos um dia só nosso, eu e ele. Cada semana algo diferente, uma brincadeira, um parque, uma feira, um jogo... Ele me incentivou a fazer todas as coisas que eu demonstrei interesse, desde softball até cantar. Todas as crianças na minha escola amavam ele e me invejavam profundamente, eu até fiquei famosa por causa disso.

Ri comigo mesma e a mais nova me acompanhou. As boas lembranças correndo dentro da minha cabeça como um filme passando bem em frente aos meus olhos, mas diferente deles elas me eram íntimas e causavam uma sensação indescritível. Fazia um tempo que não tocava nesse assunto, meu pai estava sempre na ponta da minha língua assim como todas as palavras de raiva e remorso que o acompanhavam. Mas eu estava esquecendo que um dia nem tudo foi tão ruim, eu deveria lhe dar um crédito por isso. Ele tentou e conseguiu ser um bom pai, mesmo que não por muito tempo.

Meus olhos agora fitavam a mais nova à minha frente em admiração, suas mãos deslizando pelo meu colo em uma carícia confortante. Com certeza ela tornava mais fácil essa tarefa difícil que era me abrir e me expor, e, graças a ela, eu estava resgatando certas partes importantes sobre mim que eu perdi no tempo.

- Você falando assim até eu invejei. - ela sorriu me fazendo suspirar. Na minha cabeça essa adoração incessável por cada reagir seu, tudo nela me deixava mais apaixonada. Era tão ridículo.

- Enfim, depois disso meu pai foi convidado por um amigo a fundar uma empresa em parceria e tudo mudou. Ele chegava em casa estressado, não tínhamos mais tempo de ter nossas saídas, não passávamos mais hora nenhuma juntos. Aos poucos ele foi se distanciando e o pior, me excluindo. Como se já não bastasse a minha mãe fazendo isso.

- Você não fala muito da sua mãe. - ela alisou meu rosto com as pontas dos dedos me fazendo arfar em deleite.

- Porque não há muito para falar. Parece que nós duas não nos batemos, sabe? Não damos certo de jeito nenhum, é como uma amiga que não tem os mesmos gostos e cultura que você e ostentar uma conversa se torna quase impossível. Mas, porra, isso não deveria acontecer entre mãe e filha. - mal terminei de falar e Camila cobriu minha boca com a palma da mão. Imediatamente eu recordei meu erro, ela não tolerava palavrões. O meu sorriso favorito brotou em seus lábios logo em seguida: a língua presa entre os dentes descobertos.

RequiemOnde histórias criam vida. Descubra agora