Strike Três

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Meus olhos se partiram abertos em um solavanco e rapidamente eu estava sentada. Ensopada. Quente. Dolorida e enjoada. Já faz algum tempo desde a última vez que me senti assim e com certeza não era algo que eu senti falta, mas os fins justificam os meios e isso tudo era apenas consequência da minha forma específica de tratamento para corações partidos. Levantei da cama pensando no quanto estava cansada de retardar meu sofrimento, no final nós sempre acabamos sozinhos, seja em um caixão acolchoado ou em um bloco de terra fofa brutalmente escavado, então por que se preocupar tanto assim com o que as pessoas pensam ou o que as pessoas querem que você seja?

Meu reflexo no espelho me dizia exatamente o quão abatida e cansada eu estava de tentar reprimir meu verdadeiro eu. A batalha consigo é, com certeza, a mais difícil e cansativa de todas que um dia você precisará travar em sua vida. Eu me descobri bastante persuasiva, forte e certa de minha indiferença e necessidades. Tão certa de mim mesma que era quase impossível deixar espaço para qualquer mudança ou adição. Mas por mais que eu quisesse me desligar e simplesmente não me importar mais, parecia que ainda me restava um pingo de consciência. Sendo sua presença boa ou ruim, isso era algo que eu me questionava agora mais do que nunca, me mantendo firme em meus pés e na pessoa que eu havia decidido me tornar.

Lavado o rosto, a boca e a alma, saí pelo cômodo buscando em minha mente algo que me dessa a resposta correta para o que seria esse lugar. Não sei se fora o resultado da intensa dor de cabeça ou simplesmente a falta de qualquer lembrança direta desse apartamento, mas o fato de não saber onde estava começava a me incomodar. Pelo pequeno espaço de ligação dos cômodos, quase nulo diga-se de passagem, deduzi ser um quarto de hotel. Um dos bons, pra ser sincera. Agora teria sido eu quem o alugou ou eu acabei por dormir com algum estranho? Talvez eu devesse correr para fora, talvez eu devesse investigar o dono do local, mas só talvez. A certeza era de que eu precisava de algum remédio para essas dores infernais.

- Recepção, boa tarde! - um rapaz esbravejou na plenitude de sua alegria forçada em uma tarde de quarta. Pensei que conseguiria mais do que uma saudação, talvez o nome do hotel, do locador...

- Boa tarde - murmurei deixando evidente minha estadia até tarde na cama - Vocês por um acaso tem algum remédio para dor de cabeça, dores no corpo ou enjoo?

- Me desculpe, senhora, mas é política do nosso hotel não fornecer nenhum tipo de medicamento para nossos clientes.

- Mas que política idiota de se pensar - soltei me endireitando na cadeira ao lado do telefone e escutei ele pigarrear - Que tal nós criamos nossa própria política? Eu te dou um incentivo e você consegue esse remédio para mim.

O silêncio que se instalou deixou evidente que ele estava, ao menos, cogitando a ideia. Vamos lá amigo, é só um remédio, nada demais.

- Eu não deveria estar tratando disso com a senhora por essa linha, poderia anotar esse outro ramal? - BINGO! olhei ao redor procurando por algo que me ajudasse a escrever o tal número, mas desisti quando avistei o bloco de anotações na mesinha de centro, tão longe de mim. Batuquei as unhas na mesa audivelmente e voltei o telefone ao ouvido fingindo já ter as mãos ocupadas.

- Pode falar.

Andrew. Esse era o rapaz que salvaria o resto do meu dia com o pequeno favor. Bati o telefone no gancho e o retirei novamente para discar o número que me foi dado, antes que eu o esquecesse.

- Pode parar de brincar de favores, eu trouxe o que você está procurando - a porta da frente estava aberta e eu não havia ao menos me dado conta de qualquer barulho, fora o martelar em minha cabeça que se tornava cada vez mais alto. Megan estava de pé, com sacolas nas mãos e apontando um pacote de aspirinas para mim, até que resolveu lança-lo em minha direção e quase me acertar o rosto.

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