"É mais fácil encontrar a luz quando não há ilusão..."
O tempo é realmente o maior agente de transformação que existe.Além dos conceitos que se desenvolvem,das falsas impressões e do engano tardio,existe o tempo,que apesar de constante nunca se torna obsoleto.Entretanto,é necessário ressaltar que o tempo não muda almas com instinto voraz;almas que por motivos secretos se deterioram ou fazem da existência algo pesado e sufocante.Depois de quinze anos,Helena e o irmão seguiam caminhos diferentes em suas vidas.Entre as incertezas de uma menina que cresceu com o medo praticamente estampado nos olhos,Helena tentou mudar sua vida.Após sair da casa dos pais ainda na adolescência para estudar na cidade grande,buscou nos livros sua libertação pois eram seu maior refúgio quando as lembranças lhe atormentavam .Depois de concluir os estudos,lutou para ser uma boa profissional,e entre erros e acertos tornou-se editora-chefe de uma das revistas de moda mais conceituada de todos os tempos.
Já Philip,não teve as mesmas oportunidades;não pela ausência delas,e sim por sua falta de controle emocional.Sua irmã nunca comentou com ele ou ninguém sobre as noites no lago e os outros crimes,e de certa forma ele a odiava por isso.Com o passar do tempo,Philip tornou-se um jovem depressivo e cada vez mais isolado.Foi expulso de duas escolas por brigas graves e cada dia mais demonstrava que estava pior.Houve um período em que chorava todas as noites em seu quarto,o mesmo da infância só que agora um pouco mais amplo sem a cama da irmã e as paredes pintadas de um branco pálido e sem vida.Depois de tentar ajudar de todas as formas possíveis,sua mãe não viu outra saída se não tentar uma última alternativa.Internou Philip numa clínica psiquiátrica ainda com 17 anos e,todos os dias possíveis ia visitar o filho,que só parecia piorar.Ataques à enfermeiros,surtos psicóticos e algo que mais intrigava à equipe do lugar:desenhos detalhados de um suposto lago...
Philip passou a ser considerado alguém com "Transtorno de personalidade e problemas mentais graves" ,enquanto sua mãe só desejava ver seu menino voltar.Aquele que lhe fazia sorrir enquanto preparava o almoço na cozinha,ou que mergulhava no lago só pra sentir se a água estava gelada ou não.Mas no fundo,até ela sabia que aquele menino tinha se perdido,não sabia ao certo como ou por que,mas essa era a verdade.Enquanto isso acontecia,Helena dia após dia tentava dar seguimento a sua vida profissional.Elogiada por grandes nomes da moda,aos poucos tornou-se referencia no assunto.E mesmo que não admitisse pra si mesma,todo sucesso no trabalho era só um disfarce bem sucedido para esconder suas lembranças e sua solidão.Era uma mulher realmente bela agora,manteve suas características mais leves desde a infância e seu olhar era o de alguém firme,porém inseguro as vezes. A mulher que comandava a empresa,reconhecida por sua inteligencia e segurança,era só uma menina que precisava de alguém para lhe dizer que tudo iria ficar bem,pois Helena sabia que não iria ficar.
Cerca de dois dias antes de organizar um desfile no centro da cidade,um evento de grande porte,recebeu um telefonema da mãe:
"Helena meu amor,só estou ligando para lhe pedir um favor,Seu irmão apresentou bom comportamento nos últimos tempo,por isso os médicos resolveram liberá-lo.Preciso que vá até a clínica e o traga para casa,pois estou no sítio de sua tia Laura(...)Te amo querida."
Helena não soube o que dizer a mãe,mas definitivamente não queria rever o irmão.Não acreditava que pudesse ter melhorado e além disso,tinha medo de ficar frente à frente com aquele monstro.Apesar de um grande desejo contrário,foi até a clínica.Na recepção do lugar,depois de preencher um formulário extenso,chamou atenção dos enfermeiros.Talvez por sua beleza,mas na verdade eles não acreditavam que uma jovem tão bela poderia ser irmã de Philip Mendel,que passou a ser conhecido no local como "Philip do lago" .O doutor Olivetti,médico responsável por seu irmão,convidou-a a sua sala.Era um homem que aparentava experiencia e com uma voz tão sonora quanto melodias dos anos 40.Depois de uma conversa mais superficial,disse apenas:
-Seu irmão agora é alguém mais confiável e pode viver bem...
Uma enfermeira loira trouxe Philip à seu encontro.Num primeiro instante,não houve nada além de silêncio na sala.O homem que estava na sua frente era totalmente diferente do que tinha visto anos atrás.Agora seu irmão tinha cabelos mais longos,uma barba por fazer e um olhar distante e ao mesmo tempo mais limpo.Ele a olhou e sem que percebesse,disse algo inesperado para os dois:
-Senti sua falta Helena.
Depois de recolher seus pertences,Philip acompanhou a irmã até o carro.Preferiu sentar-se no banco de trás e durante o percurso até a casa,não falou nada.Helena parecia nervosa,mas tentou disfarçar.Olhava pelo espelho retrovisor de dois em dois minutos,e observava a mesma posição do irmão:com os dois braços cruzados na janela do carro,olhando as paisagens lá fora.Seu corpo parecia mais forte e seu cabelo,quando bagunçado pelo vento lembrava à Helena o cabelo de sua mãe.Quando o carro parou próximo a casa de sua infância,Helena desceu e ajudou com a mala até a escada da varanda.Seu irmão apenas olhava para os arredores e de certa forma parecia bem.Depois de dizer um breve até logo,ela voltava para o carro quando o irmão lhe convidou pra entrar e ficar um pouco.Estava decidida a não ficar;aquela casa era seu passado e queria esquecê-lo mas resolveu entrar por alguns minutos.O lugar não havia mudado muito;a sala continuava acolhedora e com muitos quadros de arte agora,provavelmente comprados pela mãe.Philip foi até a cozinha e disse estra preparando um café.Na sala,sua irmã recordava cenas com os pais ali como por exemplo o dia em que sem querer manchou uma das almofada com tinta escolar e seu pai lhe chamou de desastrada.O irmão trouxe duas xícaras algum tempo depois e,inesperadamente começou a conversa:
-Nossa mãe disse que você prefere chá,mas não encontrei no armário...Como você está Helena?
Helena não queria conversar,na verdade nem sabia que sua mãe comentava seus gostos pessoais com o irmão em suas visitas à clínica.Mas tentou responder de maneira breve:
-Estou bem,e você como se sente?
-Estou ótimo,não vê?-Respondeu de imediato Philip
Ela apenas o encarou e viu seu olhar mudar um pouco.Talvez fosse só impressão sua,mas de alguma forma o Philip ali,sentado ali à sua frente não era o mesmo do carro.Evitou olhar diretamente para seu rosto e depois de tomar o café em silêncio,despediu-se e saiu.Antes de entrar no carro,ouviu a voz do irmão:
-Obrigado pela carona e bom desfile!
Helena voltou as pressas para seu apartamento e depois do encontro com Philip,não conseguiu dormir a noite.No dia seguinte,a caminho da empresa,lembrou-se do que havia dito e de imediato,freou o carro quase batendo num outro poucos metros à sua frente.Como ele soubera do desfile que ela iria promover?Talvez jornais,TV ou a própria mãe tivesse comentado...O fato é que isso lhe preocupava;além de precisar de um evento tranquilo,não confiava na melhora do irmão,na verdade não confiava nele.Imaginava que esse bom comportamento recente foi só um truque pra sair logo da clínica e parece ter funcionado bem.Helena resolveu se prevenir;avisou a equipe de segurança do evento para ficar atenta e evitar a entrada de Philip.Falou sobre suas características e pediu o máximo de cuidado.Mal sabia ela que estava certa,seu irmão não havia mudado e só esperava o momento certo para agir...
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Os Irmãos Mendel
General FictionAté onde a loucura pode levar alguém?Existem limites?