"Nada é reflexo do acaso,apenas consequência de um destino silencioso."
"Mesmo se tivéssemos as certezas definitivas de uma vida,ainda teríamos o complexo da dúvida.Tal realidade define apenas que a jornada da existência não tem respostas completas,e se elas existissem,a busca não teria lógica...Não seria interessante acreditar no imprevisível."
O tempo seguia seu caminho,entre passagens relevantes e dias sem glória.Na verdade,apenas o senso comum era previsto por todos da cidade.Depois de uma temporada longa de assassinatos e crimes sem respostas,as pessoas acreditavam que nada de pior pudesse ocorrer;era como se uma necessidade de crença no positivismo estivesse em cada casa,cada esquina.Estavam cientes do trabalho da polícia,sabiam que a equipe de policiais da cidade era empenhada e trabalhava para manter a segurança em primeiro lugar,mas de certa forma estavam divididos também.Não foi difícil que todos tomassem conhecimento da falha na operação com Philip Mendel,o maior assassino que aquela região já conheceu.O caso era mantido em sigilo,mas nem todo segredo se mantem intacto quando o medo das pessoas esbarra em descontrole.
Era fácil notar entretanto, que muitos ainda resistiam em confiar na polícia,sobretudo em Olivetti,o delegado responsável pelas investigações.Normalmente a justiça realiza seu trabalho de acordo com as normas internas e utiliza meios burocráticos para definir suas próximas ações,afim de criar para a população um bem estar coerente e sem impactos de grandes proporções,tanto social quanto emocionalmente.Entretanto,o que Olivetti já compreendia como real em seu trabalho nos últimos 4 anos de envolvimento no caso de Philip,era que a justiça convencional estava tornando-se pouco importante e incapaz de suprir a necessidade maior de fazê-lo pagar por tudo o que fez;como se protocolos de seus superiores e buscas sem sentido fossem apenas uma distração para o alvo,apenas mais uma oportunidade de deixá-lo impune diante da verdadeira lei.
As pessoas queriam isso e ele as entendia,pois antes de ser apenas um delegado que faz seu trabalho diariamente ele era também um cidadão que acreditava em atos justos para manter a ordem.Quando alguma emissora de TV local o procurava para entrevistas em programas de segurança ou apenas para pequenas informações,lhe parecia melhor enviar um de seus homens pois já não entendia bem a funcionalidade disso,preferindo apenas o trabalho cada vez mais cansativo e ao mesmo tempo cheio de adrenalina,o que de certa forma o dava forças para continuar apesar de já demonstrar que era chegado o momento de parar.
Enquanto essa realidade se difundia em sua mente e cotidiano,a vida mais uma vez deixava suas marcas em pessoas que já viveram muito além da simples dor e revolta.Caroline estava mais confiante agora,seu pai finalmente entrou em contato com a jovem.No telefone,parecia seguro de cada palavra e isso trouxe alívio para seu coração:
-"Eu estou bem filha.Depois que sairiam,eu tive que procurar uma de suas tias pois não podia ir de imediato ao encontro de vocês já que um policial estava vigiando cada passo meu,acho que por ordem do delegado.Não se preocupe,daqui a alguns dias estarei aí e tudo irá se resolver.Cuide bem dele minha filha,ele precisa de alguém como você para melhorar(...)Te amo."
Depois desse breve contato,ela compreendeu em definitivo que reabilitar Philip Mendel era realmente sério para ele,e que de certa forma queria que ela fizesse parte disso.No fundo,queria acreditar que seu pai só tinha planejado tudo aquilo por pena de um homem ferido,mas com o passar do tempo e o convívio com aquele homem silencioso e distante,tal conceito começava a evaporar como fumaça.Philip estava cada vez mais forte,sua recuperação era algo que a jovem gostava de admirar,pois significava que suas habilidades como futura médica eram positivas apesar de ser sua primeira vez em tais práticas.Ele parecia mais animado para comer e isso também era bom,já que no inicio até mesmo a sopa que lhe era oferecida ficava no prato.Mesmo que nenhum deles tivesse completa noção disso,em breve iriam completar um ano naquela casa longe de tudo e todos.
Essa pequena realidade também exercia contraste com suas emoções e sentimentos.A jovem Caroline que havia acelerado o carro durante a fuga dos dois estava se transformando em alguém mais atenta aos olhares de Philip,o que em alguns momentos deixava de lado as palavras que já nem eram tão usadas assim.Quanto à ele,é quase impossível definir mas algo novo estava cada vez maior em seu peito.Ainda tinha pesadelos horríveis durante a noite,alguns deles realmente mais fortes do que conseguia suportar.As vezes Caroline acordava assustada com seus gritos e ia até o quarto para acalmá-lo.Quando percebia que ela estava ali,ele tentava esconder as lágrimas e o suor que cobriam seu rosto em tais momentos de aflição;não queria que ela o encontrasse assim,não queria expor sua dor interna diante de um olhar tão puro.
Aos poucos,a relação dos dois passou de um total distanciamento para um convívio tranquilo e sem decepções.Caroline estava se esforçando para confiar num homem que causou a dor de diversas famílias,além de tornar o sofrimento alheio um tipo de anestesia para sua própria vida sem respostas ou sentido.Philip segui em seu silêncio,mas agora deixava que a jovem chegasse mais perto,e isso era um grande avanço.Ele foi ao fundo de sua alma em diversos momentos da vida e sabia que era um lugar escuro e frio de mais;depois de tantas lágrimas e crueldade queria que alguém estivesse ao seu lado,mesmo que esse alguém ainda tivesse medo dele por razões óbvias.
Mas,por que as pessoas se negam a aceitar sua profundidade quando mais nada as impede disso além delas mesmas?Era isso o que estava acontecendo naquela casa cercada por árvores e iluminada por um sol tranquilo todas as manhãs.Os dois estavam imersos em suas realidades particulares,o que ainda impedia que notassem o outro por inteiro.Caroline era apenas uma jovem cheia de sonhos que estava deixando sua vida seguir um rumo nunca antes imaginado;um caminho que não sabia onde iria dar.Ao mesmo tempo,Philip deixava sentimentos primordiais e esquecidos em sua memória criarem raízes em seu coração,como se nada antes fosse capaz disso.
Carlos se preparava para seguir viagem no dia seguinte.Precisava estar ao lado de sua filha para começar o que considerava a maior e mais difícil ideia de sua vida.O homem crê para sentir-se completo,para pertencer à forças que ainda não compreende.Carlos sabia que era preciso ir além do que conhecia para ajudar aquele homem ferido,que em sua jornada trouxe a dor para diversas pessoas,sobretudo para sua própria alma.
Além de conclusões e medos,algo estava prestes a mudar a realidade de todos os envolvidos nessa história,e a vida estava abrindo neste exato momento um livro com suas páginas mais intensas.Não se pode definir o fim sem antes conhecer a caminhada...Estava na hora de ir além.
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Os Irmãos Mendel
General FictionAté onde a loucura pode levar alguém?Existem limites?