Renascimento

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"A esperança cura a alma do homem."


"O grande segredo de acreditar em algo é simplesmente a entrega.Você decide ter fé mas não pode abrir mão de entregar-se a tal,pois sem isso só existe desequilíbrio e nunca retribuição..."

Não é apenas uma verdade definitiva,mas uma certeza coerente:a vida sempre irá encontrar um meio de nos tocar.Isso acontece à todo instante mas nem sempre percebe-se que sem renascimento nada permanece ou tem sentido.Sem essa ferramenta do destino,cada ser humano seria apenas um naufrago à deriva;sem a esperança de um dia encontrar terra firme.

Se nem mesmo aqueles que foram envolvidos pela escuridão de uma vida cruel deixaram de lado a notória força de acreditar,ninguém mais poderia dizer que não houve uma existência significativa.As respostas foram imparciais,o medo tornou-se um tipo de aliado diário e banal,e algumas das pessoas que mais importavam foram embora sem dizer o tão esperado adeus,mas a esperança de dias e palavras melhores ainda estava lá,escondida entre as sombras porém acesa.

Finalmente todos podiam acreditar sem promessas irrelevantes,seguir caminhos antes repreendidos pela falsa justiça.Lúcia Mendel por exemplo,encontrou sua rota de sobrevivência no olhar puro e inocente de crianças das quais não podia prever o futuro,nem mesmo supor os desejos e sonhos mais íntimos mas que sempre iria carregar na memória.Elas transformaram uma mulher cansada de sofrer pelas consequências de uma vida marcada pela decepção e a dor em um ser humano forte e com a capacidade para ser realmente e merecidamente feliz.

Lúcia nunca esperou a felicidade bater em sua porta,até por que teve uma infância repleta de carinho e afeto especialmente por parte de sua mãe;era como se aquele sentimento fosse o ingrediente principal que nunca devia faltar.Mas conforme viu o mundo com seus próprios olhos,entendeu que para ser feliz a luta seria diária e cansativa,com a prerrogativa de que só assim tal objetivo pudesse ser alcançado.Ao lado do marido,tentou passar a mesma sensibilidade para os dois filhos,mesmo sabendo que para eles o mundo seria diferente e quem sabe,até mais justo.O que ela não podia imaginar é que o destino guardava tantos desvios para eles,tantas falhas e mágoas e acima de tudo,tantos erros.

Contudo,ela fez mais do que sua vã confiança poderia supor em relação à eles.Seu papel de mãe tornou-se firme em suas mentes mesmo que não soubesse disso,e cada ato até hoje ainda ia de encontro com seus ensinamentos,ou apenas a lembrança fragmentada disso.O destino deu à Helena algo que nunca planejou,mais que seria a certeza de uma nova era para todos:um filho.Depois de um ano casada,a notícia surpreendeu e a felicidade que surgiu a partir disso era contagiante.Seu marido ainda parecia em êxtase tamanho orgulho e todos da família lhe enviaram os parabéns e um sincero pedido para que retornasse com a esposa;queriam ter o mais novo membro da família ao alcance de seus carinhos.

Helena lembrava-se do encontro entre ela e os pais de Ben. Herdeiros de várias terras,sempre estavam em destaque em alguns jornais,seja pelo desenvolvimento agrícola ou tão somente pelo amor ao vinho que produziam há mais de 50 anos na região.Os dois a receberam sem formalidades ou algum tipo de cerimonia como esperava;eram extremamente simples e agradáveis.Depois de muitas conversas com a sogra e de ter aprendido ao seu lado como degustar um bom vinho,Helena teve a certeza de que aquela era a família a qual queria pertencer.A relação de afeto era óbvia e com o passar do tempo só aumentava a necessidade de nova e mais longas visitas.

Helena sabia a importância de um filho nesse momento de sua vida;era como uma dádiva maior do que realmente merecia,mas iria amar cada segundo disso.As vezes ela se pegava pensando em situações engraçadas que viveu durante a faculdade ou simplesmente de seus melhores desfiles,e quando isso ocorria era apenas um exercício mental para oferecer uma conclusão que iria se fortalecer dentro de nove meses:nenhum ato que viveu até hoje seria mais impactante que a chegada de seu filho.Na gaveta de um armário,dentro de uma blusa cor de jasmim,escondia o envelope que encontrou e que ainda reacendia suas lembranças do irmão. 

Tudo girava em torno disso afinal,sob a sombra de Philip.Ela preferia acreditar que aquele envole só trazia um engano,ou até mesmo um tipo de brincadeira anonima pois mesmo que isso pudesse lhe ferir,a dor seria menor que descobrir que ainda estava vivo e livre em qualquer lugar;quem sabe até preparando uma nova tentativa se matá-la.O que ainda perseguia Helena e muitas outras pessoas ligadas à ele era algo que sempre fere almas inocentes:o vitimismo.

Algumas pessoas acreditam que isso é apenas uma invenção particular que visa a busca de atenção e cuidado,outras simplesmente ignoram o fato de que alguém possa ser vítima de algo maior que um insulto ou lembrança ruim.Mas o vitimismo realmente existe e atingi as pessoas como uma navalha afiada e sem piedade;a dor antes existente ainda causa arrepios e o medo de machucar aqueles a quem ama ainda atrapalha que sua existência seja natural.Essa sensação surgia do passado,mas as vezes esse detalhe não importa,pois dor é dor e não é o tempo que define sua intensidade ou noção exatamente.Helena não queria entender mais nada além de seu marido e o planejamento do futuro de um filho que,para todos inclusive sua mãe seria a luz capaz de apagar toda mágoa que viveram até ali.Entretanto,aceitar a morte de Philip era para ela entregar uma vida ao acaso,mesmo que esta não tenha sido realmente valiosa;ela não conseguia desejar sua partida.

De fato,existia nesse momento uma razão para querer esquecer tudo aquilo,uma razão para deixar que aquele passado tão cruel fosse consumido pelas chamas do tempo dando lugar ao renascimento desejado e esperado por todos.Além disso,existia também uma última página a ser escrita,na verdade a última delas e também a mais emocionante ;seria completo por ser justo e definitivo.Philip Mendel estava ao lado de Caroline enquanto preparava biscoitos de chocolate,uma receita que havia aprendido com uma amiga da faculdade.Seu cabelo castanho estava solto e ele sentia seu perfume leve e viciante.Ela sorria quando ele queimava a língua com um dos biscoitos recém saídos do forno,e o homem sério desmoronava em um grande sorriso também.

Não,ninguém precisa sofrer para aprender mas com Philip foi o contrário desde o começo.Ele estava inerte em seus pensamentos mais ocultos,mas exercendo um movimento tão surreal quanto a aurora entre os polos;ele a amava como nunca antes imaginou amar alguém.Esse amor era sua paz tão desejada...Esse amor era sua libertação final.



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