"Pois mesmo que vá embora,a sombra te acompanha..."
"Não deixe que as palavras roubem de ti nenhum segundo pertinente,desde o simples ato de observar quem ama até mesmo o difícil sentimento que carrega para justificar a culpa.Na verdade,nenhuma palavra traz recusa,é apenas sua compreensão que distorce a realidade..."
As vezes as coincidências do destino chegam à causar espanto.São tantas e tão distintas as ligações que ocorrem diante dos nossos olhos,que mesmo os mais atentos tendem a perder os detalhes mais importantes.Talvez tais acontecimentos sejam meros reflexos das nossas escolhas,por assim dizer.Ou mesmo as consequências de atitudes as quais não prestamos atenção como deveríamos...
Seus olhos estavam cansados,seu corpo inteiro dolorido denunciava que algo estava errado e não sabia exatamente a razão.Sentiu o toque de uma mão fria em seu braço,mas era um toque diferente e agradável do qual sempre iria se lembrar,era sua mãe.Helena estava internada há dois dias e os médicos já se preparavam para liberá-la durante a tarde.Quando acordou,depois de uma breve cirurgia na perna esquerda,parecia um pouco confusa até sua mãe explicar o que tinha ocorrido.Lúcia estava em casa quando,no meio da madrugada foi surpreendida com uma ligação do delegado Olivetti informando sobre a situação.
A notícia lhe causou grande espanto e de imediato foi para o apartamento da filha.Ao chegar no local,encontrou Helena sob uma maca e alguns policiais e profissionais médicos ao seu redor para avaliar seu estado.Ao perceber que a filha estava sangrando muito,seu desespero pareceu ainda maior e com a ajuda de um dos policiais se acalmou um pouco até todos irem para o hospital.O apartamento estava revirado,a porta havia sido destruída pela polícia e com isso o local parecia um canteiro de demolição banhado por uma breve e opaca luz noturna.Algumas cadeiras reviradas e manchas de sangue pelo carpete completavam a cena que ainda causava medo em Lúcia,que estava cada vez mais impaciente com tudo o que via.
Olivetti estava diante da janela e esperava a mulher para uma conversa,apesar de não saber exatamente o que dizer.O apartamento,no terceiro andar era alto o suficiente para causar um acidente grave,mas até aquela noite nada do gênero havia acontecido.Depois de obedecer seu comando e abaixar a arma que carregava,Philip Mendel parecia ter se rendido por completo e os policiais se aproximaram.Foi nesse exato momento,que o homem sacou outra pistola que carregava no sinto e disparou contra os policiais que reagiram e atiraram.Philip foi atingido por quatro tiros e caiu do parapeito,mas seu corpo não foi encontrado na portaria do prédio.Os vizinhos informaram que após os tiros,ouviram o som de queda de algo pesado,mas a polícia não encontrou nada.
Olivetti explicou tudo da maneira mais técnica possível,sem deixar de lado é claro sua compreensão de que estava falando com uma mãe.
-Eu sei que essa notícia é difícil,mas a senhora sabe que seu filho estava envolvido em algo maior que ele mesmo;todos esses crimes só iriam trazer dor para ele e para todos os envolvidos,e mesmo que pareça que nosso dever foi cumprido essa noite,não posso dizer o quanto a dor da senhora me incomoda agora...-Desabafou o delegado
Lúcia não disse nada,apenas olhou através dos pequenos fragmentos de vidro que ainda restavam da janela e chorou.No fundo,seu coração sabia que o caminho de Philip não acabaria bem,mas não conseguia e nem queria lidar com a possibilidade de sua morte.Para uma mãe,perder um filho é como apagar as luzes do Universo,como se nada além de sua voz precisasse existir para lhe trazer felicidade e completude.Além disso,pelo menos em teoria,perder um filho vai contra o ciclo natural das coisas,pois deixar alguém a quem amamos tanto ir primeiro é o maior erro que se pode cometer.
Helena lembrava-se apenas de alguns momentos daquela noite,mas as dores em seu corpo traziam memórias mais fortes,como os socos e a voz de Philip com cheiro de Whisky.Depois da cirurgia para interromper uma infecção mais grave,ela soube que seu irmão estava desaparecido e nem mesmo a polícia sabia dizer se estava vivo.Ainda com flashes de memória,lembrou-se do momento em que ele caiu pela janela,depois de ouvir sua resposta.Aquela cena se repetiu em sua mente por alguns minutos,até sua mãe trazê-la de volta à realidade:
-Helena minha filha,o médico disse que já podemos ir,o ferimento em sua perna foi profundo mais a cirurgia impediu algo mais grave...-Disse ela
Depois de vários agradecimentos dirigidos à equipe,as duas foram para a casa de Lúcia,pois o apartamento de Helena estava em reforma e mesmo assim talvez a mulher não voltasse a morar ali devido ao trauma vivido.Morando ao lado da mãe,Helena tinha a oportunidade de reavaliar sua vida até aquele momento,e mesmo que tentasse evitar a dor de sua infância,isso parecia ressurgir maior agora.Ela não conseguia tirar o rosto de seu irmão da cabeça,principalmente do momento em que uma lágrima correu seu rosto enquanto caia no vazio de uma noite triste.
Seu coração era como uma construção inacabada,onde os pássaros pousam para se esconder dos temporais.Mas ela sabia que os temporais estavam dentro de si mesma e isso iria lhe seguir para sempre.Quando Philip perguntou se ela o perdoaria,invocou sentimentos que estavam escondidos pelo tempo,pequenos detalhes que ainda conectavam os dois como irmãos.Sua mãe certa vez lhe contou que quando crianças,os dois haviam prometido que iriam cuidar e perdoar o outro durante a vida toda.Segundo Lúcia,depois de uma briga boba,os dois prometeram isso e seria assim.Helena pensava agora se era isso o que tinha feito afinal,protegido e perdoado Philip.
Sua resposta foi sincera mesmo que oferecida num momento de tensão e dor,e ela sabia que de alguma forma seu perdão poderia tocar a alma dele.Os dois estavam em polos diferentes da existência;ela queria mudar sua vida oferendo beleza e satisfação às pessoas enquanto ele parecia se divertir causando a dor alheia.Mas apesar do imenso espaço de dor e indiferença que separava os dois,existia uma ligação que ainda os tornava próximos,mesmo que interiormente.E era isso em que Helena acreditava ter tocado quando disse "Sim" naquela noite,a parte mais oculta do coração de seu irmão,onde talvez ainda existisse sentido.
Os irmãos Mendel ainda estavam conectados,unidos por um vínculo silencioso e as vezes imperceptível.O destino parecia disposto à transformar tudo agora,e as próximas páginas seriam cada vez mais profundas e intensas.Escondido dentro de um pequeno casebre à beira de um lago raso,um homem sentia seu corpo tremer de frio e a dor passeava por cada parte do seu ser como a brisa gélida daquela noite.O céu estava límpido e cheio de estrelas,como se até mesmo os outros Universos estivessem conectados para oferecer tal beleza.As sombras cobriam seu corpo ensanguentado e mesmo com a forte sensação de que iria morrer sem que ninguém o descobrisse ali,ele soube que de alguma maneira,seria mais forte e ousado que sua carne...
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Os Irmãos Mendel
General FictionAté onde a loucura pode levar alguém?Existem limites?