A verdade e a Dor

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"Sem a misericórdia do tempo,a justiça não se cumpre."


"Aqueles que pensam de mais em poder e satisfação pessoal acima dos outros,normalmente estão condenados ao alter ego sem escrúpulos,mas os que se alimentam da dor alheia estão condenados à culpa eterna..."

Seria apenas uma jornada cruel em meio a diversidade de um mundo turvo,onde as pessoas são meros instrumentos delas mesmas se não houvesse algum tipo de controle,ou pelo menos a tentativa de encontrá-lo.Essa é a definição da vida,sem disfarces ou conceitos filosóficos amplos que possam abranger nossa incapacidade de ver tudo como realmente é.

Se todas as pessoas do mundo se concentrassem em entender o propósito da vida,nada de tão extraordinário iria acontecer;e isso não é retórico apenas definitivo.Ninguém para e em seu interior questiona a vastidão das estrelas e nossa infinita pequenez,apenas olha o céu e o admira.O mesmo acontece com nossos sentimentos e razões para agir;ninguém entende nada além de suas tolas suposições,até a verdade surgir...

O tempo passava cada vez mais depressa,e com ele as pequenas forças de uma história marcada pelo sangue de inocentes,a crueldade inexplicável e acima de tudo,por uma culpa compartilhada e sempre maior.Os cacos de vidro eram afiados e cortantes, sempre presentes em cada caminho traçado por eles,mas apesar disso o destino tentava ser justo com aqueles que sofreram tanto e na maioria das vezes,sem necessidade disso.

Helena estava casada,envolvida em algo tão poderoso e novo que em determinados momentos a assustava;um sentimento diferente de tudo o que já havia sentido por alguém.É quase impossível explorar isso em uma pessoa;seus sentimentos mais profundos ou a simples porém divergente mensagem de sua alma.Helena cresceu cercada pelo medo constante de se ferir ou fazer isso com outras pessoas,um reflexo de sua grande tristeza em relação ao seu irmão.

Ela o havia perdido naquela noite,ao segui-lo até o lago onde matou uma criança inocente pela primeira vez;o ponto de partida para uma série de terríveis e sanguinários crimes.Ela o perdeu no exato instante em que,em meio as árvores que cercavam a região dois olhares infantis se cruzaram para afirmar o que ela temia desde o primeiro instante ali:Philip nunca mais seria o mesmo.

Por mais doloroso que isso tenha sido para ambos,existe uma certeza que o tempo não apagou ou deixou em segundo plano,pois era voraz e consumiu dia após dia a existência de Philip Mendel.O fato é que todo esse sofrimento era como um câncer em seu espírito,algo que o fazia desejar a pior sentença possível para que assim,a culpa deixasse-o de lado e enfim tivesse paz.

Ele não só destruiu vidas,mas com isso destruiu também sonhos e possibilidades que graças a ele nunca vieram a existir.Ninguém pode medir o nível da dor que o perseguia;ele cresceu sem a família que tanto amava e o abandono de seu pai só piorou isso.Mesmo nunca deixando essa dor ir além do que podia controlar,pois mesmo sem um homem para ajudá-lo a crescer e inspirar de alguma forma,o que mais o atingia não era a ausência dele necessariamente e sim o impacto disso na vida da sua mãe e irmã.A vida o transformou gradativamente em alguém sério e de poucas palavras;era necessário ser duro para aguentar tudo o que iriam enfrentar.O problema,é que tal obrigação de ser um homem antes mesmo de viver sua juventude fez Philip absorver o pior do mundo;seu ódio e falta de escrúpulos,seu total desprezo ou misericórdia por aqueles que precisam de ajuda ou libertação.

Sua mãe não podia evitar esse processo,mesmo que o amor materno sempre fosse a sua primeira opção nos diálogos com ele.Lúcia também perdia as forças em alguns momentos,mas controlava suas lágrimas e emoções para que ele não se sentisse abalado ou mais disposto à lutar uma guerra que não era sua,nunca foi na verdade.Mas Philip estava em campo,e para ele todos os que pudessem ameaçá-lo de alguma forma deveriam sofrer,mesmo que ninguém quisesse nada além de uma vida banal.

O homem que passou anos esperando por uma morte que o libertasse,entregou os pontos no momento em que a vida de Helena esteve em suas mãos.Aquela noite foi o ápice de uma profunda e relevante mudança em muitos de seus conceitos e decisões que viriam à seguir.Ele sabia que precisava silenciar a única pessoa que o conhecia tão intimamente para que a culpa disso se tornasse amena ou simplesmente menor,mas matar sua própria irmã era um limite ao qual sua alma nunca seria capaz de alcançar de verdade.

Perder Helena ou sua mãe era para ele o maior medo de todos;a culpa que sentia por ser um monstro lhe parecia menor diante dessa hipótese.Em todos esse anos,talvez esse tenha sido seu pior e mais cruel fantasma,pois mesmo que de forma irracional ele já as havia perdido,e isso era como um punhal dilacerando seu peito.Não há loucura maior que sentir-se sozinho no escuro;você só é capaz de ver trevas e ninguém está ao seu lado.

Todos aqueles caminhos agora já não importavam mais,pois a última tentativa de Philip estava lançada e dessa vez,ele seria real consigo mesmo.Em meio à escuridão que ainda o tornava vulnerável e ferido,ele descobriu um sentimento maior e mais poderoso que qualquer outro;uma força que agora era seu alicerce antes do declínio.Seu nome era uma poesia sem pressa,e sua mais ousada tarefa:amá-lo.

Era esse amor que deixava sua mente menos sangrenta e mais humana do que o natural.Philip nunca havia parado para ver a chuva,nem a leveza dos pássaros e sua simples função de existir e tornar o mundo menos nebuloso até encontrar em Caroline o abrigo seguro e sem acusações.Dia após dia,aquela relação tornava-se forte e os dois queriam isso,precisavam aquecer seus corações feridos e cheios de tristeza.A vida não tem o poder de nos julgar como réus ou criminosos de nós mesmos,mas se isso acontece,ainda temos o direito da dúvida e com ele a possibilidade de dar nosso melhor.

Caroline se tornou a paz que aquele homem sempre procurou,a certeza de que alguém ainda rezava por ele antes de dormir e que se preocupava com seus sentimentos e medos.A jovem tinha uma breve desconfiança,algo recente que poderia mudar tudo para sempre mas preferiu não comentar nada até ter certeza.A realidade deles era uma só,como as folhas secas que caem e mesmo ao acaso podem repousar no mesmo solo,próximas de mais para ir além da distância...



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